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Os Tantra no Contexto dos Vedas e dos Śramaṇas (Parte 09): Śākta (शाक्त)

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 31 de ago.
  • 4 min de leitura

O universo religioso da Índia antiga é marcado pela pluralidade de correntes, escolas e tradições que, ao longo de milênios, dialogaram e se confrontaram em torno das grandes questões da existência, da consciência e do absoluto.


Entre essas tradições, destaca-se o Śākta (शाक्त, Śākta), o caminho devocional e filosófico que reconhece a Śakti (शक्ति, Śakti, “energia, poder, princípio dinâmico do divino”) como realidade suprema.


Esse artigo explora o Śākta a partir de três eixos fundamentais:


  1. A sua presença implícita e explícita nos Vedas (वेद, Veda), especialmente nos hinos que exaltam a energia cósmica;


  2. O diálogo com as tradições Śramaṇa (श्रवण, Śramaṇa, “buscadores, renunciantes”), que surgem paralelamente ao vedismo;


  3. A integração e expansão no corpo doutrinário e prático dos Tantras (तन्त्र, Tantra, “tecido, entrelaçamento”), que consolidam uma visão sistemática do Śākta.


O Śākta nos Vedas

A literatura védica, composta entre 1500 e 500 a.C., não apresenta o Śākta como sistema autônomo, mas contém sementes fundamentais de sua cosmovisão.


  • O Ṛgveda (ऋग्वेद, Ṛgveda) traz hinos à Uṣas (उषस्, Uṣas, a aurora), à Aditi (अदिति, Aditi, a mãe dos deuses), e à Vāc (वाच्, Vāc, a palavra), que simbolizam expressões da potência feminina primordial.


  • No Devī Sūkta (देवी सूक्त, Devī Sūkta, “Hino à Deusa”), presente no Ṛgveda X.125, a deusa fala em primeira pessoa: “Eu sou a Rainha, a unificadora dos tesouros, a conhecedora do que é e do que há de ser”. Este hino é considerado uma das primeiras formulações explícitas de uma teologia Śākta.


  • A noção de Śakti como poder divino aparece também nos Brāhmaṇas (ब्राह्मण, Brāhmaṇa), onde o ritual sacrificial só adquire eficácia mediante a potência da palavra e da energia invocada.


Assim, no contexto védico, o Śākta é uma percepção latente: a compreensão de que o divino não é apenas transcendente (masculino), mas também imanente, energético, maternal e dinâmico.


O Śākta e os Śramaṇas

O movimento Śramaṇa (श्रवण, Śramaṇa) surge entre os séculos VI e IV a.C. como uma corrente paralela e em parte contestatória ao vedismo.


Jainismo, budismo e tradições ascéticas diversas nasceram desse caldo cultural.


No contexto śramaṇico, o Śākta não se apresenta como religião institucional, mas influencia práticas e concepções:


  • A ideia de que a libertação (mokṣa, मोक्ष) exige não apenas conhecimento, mas também a integração da energia vital.


  • O papel dos rituais de renúncia e austeridade como meios de ativar e purificar a energia interna (tapas, तपस्).


  • O culto a deusas locais e a forças da natureza, preservados à margem do vedismo oficial, encontram afinidade com o ethos śramaṇico.


Enquanto os brâmanes buscavam controlar o sagrado pelo ritual, os śramaṇas enfatizavam a experiência direta — o que mais tarde se integraria na estrutura tântrica.


O Śākta nos Tantras

É nos Tantras (तन्त्र, Tantra) que o Śākta encontra sua plena expressão filosófica, ritual e mística. A tradição tântrica, consolidada entre os séculos V e X d.C., organiza e expande os elementos Śākticos dispersos nos Vedas e preservados nos cultos populares.


No Śākta Tantra:


  • Śakti (शक्ति, Śakti) é a realidade suprema, tanto transcendente quanto imanente. O divino não é apenas consciência (Śiva), mas também energia criadora.


  • O universo é visto como manifestação da dança entre Śiva (शिव, Śiva) e Śakti, consciência e energia, transcendente e imanente.


  • Os rituais incluem a invocação da Kuṇḍalinī (कुण्डलिनी, Kuṇḍalinī), energia latente no corpo humano, simbolizando a união microcósmica com a macrocosmica.


  • As divindades femininas — Kālī (काली, Kālī), Durgā (दुर्गा, Durgā), Tripurasundarī (त्रिपुरसुन्दरी, Tripurasundarī) — tornam-se centrais, cada uma representando aspectos da realidade última.


O Śākta tântrico transforma radicalmente a paisagem espiritual indiana: legitima o corpo como campo sagrado, incorpora práticas rituais transgressoras, e oferece um caminho simultâneo de conhecimento (jñāna, ज्ञान), devoção (bhakti, भक्ति) e poder (śakti-sādhana, शक्ति साधन).


Conclusão


O Śākta, longe de ser apenas uma “seita” de culto à deusa, é um fio profundo que atravessa a tapeçaria da espiritualidade indiana. Ele começa como intuição védica na exaltação da potência cósmica, ganha vitalidade no ethos śramaṇico de austeridade e experimentação direta, e alcança maturidade nos tantras como sistema integral de filosofia, prática e visão de mundo.


No Método INatha, compreender o Śākta é reconhecer que a consciência não existe sem energia, que o silêncio não existe sem vibração, e que a transcendência só se manifesta quando a imanência é honrada.


Bibliografia


  • AVALON, Arthur (Sir John Woodroffe). Shakti and Shakta. London: Luzac & Co., 1918.

  • BHATTACHARYA, N. N. History of the Tantric Religion. New Delhi: Manohar, 1982.

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  • FRAWLEY, David. Tantric Yoga and the Wisdom Goddesses: Spiritual Secrets of Ayurveda. Lotus Press, 1994.

  • SAMUEL, Geoffrey. The Origins of Yoga and Tantra. Cambridge University Press, 2008.

  • WHITE, David Gordon. Kiss of the Yogini: “Tantric Sex” in Its South Asian Contexts. University of Chicago Press, 2003.

 

 
 
 

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