Desvendando Bhāvanā: Como as Tradições Contemplativas Indianas Redefinem Emoções e Bem-Estar.
- INatha

- 8 de set.
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Esse artigo é um resumo deste outro que poderá ser baixado aqui: https://journals.sagepub.com/doi/epub/10.1177/1354067X221118919
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Na busca por uma compreensão mais profunda das emoções e do bem-estar, a psicologia ocidental tem se deparado com certas limitações, muitas vezes apresentando teorias que são "topograficamente planas" e incapazes de oferecer mecanismos de transformação emocional duradouros.
Em contraste, as Tradições de Conhecimento Indianas (IKT) oferecem um arcabouço rico e integrado que vai além da simples regulação ou reavaliação, propondo uma abordagem radical para a experiência afetiva.
Este artigo explora como conceitos indianos em āyurveda, yoga sutras e nāṭya (artes dramáticas) informam a compreensão das emoções e do bem-estar, introduzindo a Bhāvanā como a possibilidade de uma recriação e re-imaginação consciente das nossas relações afetivas com o mundo.
A Crítica à Psicologia "WEIRD" e o Poder das IKT
A psicologia global predominante, muitas vezes criticada como WEIRD (Ocidental, Educada, Industrializada, Rica e Democrática), invisibiliza as sofisticadas teorias psicológicas de civilizações colonizadas.
As IKT, por outro lado, oferecem uma psicologia aplicada que se baseia na experiência vivida e na integração de cognição, afeto e comportamento.
No coração dessas tradições está a Consciência como o pivô central, o substrato de tudo. Ela é definida por duas características: Prakāśa, que significa autorreflexividade ou autoluminosidade, e Saṃkalpa, que se refere à auto-intenção.
Essa consciência integrada, que reconhece sua natureza reflexiva-intencional, é fundamental para o bem-estar.
Compreendendo o Afeto: Corpo, Eu e Impulsos
A psicologia contemporânea focou muito em emoções negativas antes de se voltar para a psicologia positiva. Um insight chave das IKT é que emoções negativas ligam o eu ao corpo, enquanto emoções positivas o libertam.
Nas IKT, a psique é conceitualizada como Antah-karana Chatushtya, composta por:
• Citta: um reservatório de experiências.
• Ahamkāra: o senso de propriedade e consciência do "eu".
• Buddhi: processos cognitivos.
• Manas: aspectos de coordenação sensório-motora.
É importante notar que todos os processos afetivos estão alinhados com o eu, conectando a consciência do "eu" e o afeto. Textos ayurvédicos distinguem dois tipos de impulsos fisiológicos, ou Vega (fluxos):
1. Śāririka vega: Impulsos fisiológicos que não devem ser controlados ou negados, mas sim expressos, como bocejar, arrotar, urinar, defecar, sentir fome e sono. Suprimi-los causa doenças.
2. Mānasika vega: Impulsos fisiológicos centrados no afeto que precisam ser regulados e canalizados, como os impulsos sexuais ou agressivos. A falta de regulação destes causa doenças.
As IKT enfatizam a equanimidade ou paz como mais relevante do que a mera "emoção positiva", associando-a ao contentamento – saciedade fisiológica e contentamento no afeto.
Da Automaticidade à Transformação: Os Yoga Sutras e Vairāgya
A experiência vivida nas IKT revela que a satisfação física não dura. A angústia e a doença são caracterizadas pela fragmentação da experiência, enquanto a saúde se manifesta como coerência e integridade.
As emoções e cognições automáticas prendem o indivíduo, tornando-o "Baddha" (preso), devido a fatores como karma (intenções passadas), samskāra (experiências passadas) e vāsanā (desejos não realizados).
Para superar essa automaticidade, os yoga sutras prescrevem a compreensão das "emoções brutas", chamadas de ṣaḍ ripu-s (seis inimigos):
kāma (luxúria), krodha (raiva), mada (arrogância/orgulho), moha (ilusão), matsara (inveja) e ahamkāra (egotismo).
Para transformar essas emoções automáticas, a prática de Vairāgya é fundamental.
Vairāgya não é o oposto de atração (rāga) ou repulsa (dveṣa), mas um passo acima, uma transcendência incorporada dos processos afetivos automáticos.
Ele é definido como o insight que surge do domínio dos processos visuais e auditivos (Dṛṣṭa-anuśravik vaśikāra saṃjñā), levando a uma autoconsciência transformada.
Bhāva e Rasa: Bem-Estar Relacional e a Paz (Śānta)
Um conceito central das IKT é a ideia de que devemos olhar para o "outro" como um sujeito, e não como um objeto. Essa perspectiva leva à Teoria Rasa, uma psicologia cultural de emoções baseada na intersubjetividade e no diálogo.
A teoria Rasa possui dois conceitos chave:
1. Bhāva: Emoções ou sentimentos pessoais e particularizados, que se originam da raiz bhu, significando "existir" ou "manifestar".
2. Rasa: A transformação de uma emoção individual (bhāva) em um afeto e insight universal, ou compaixão.
Essa transformação ocorre através de elementos interconectados como a emoção predominante sentida (Sthāyi-bhāva), os fatores contextuais (Vi-bhāva), as expressões comportamentais (Anubhāva) e as emoções transitórias (Sañcāri e Vyabhicāri bhāvās).
Ācārya Abhinavgupta descreveu um mecanismo processual onde uma emoção personalizada se transforma em rasa por meio da performance dramática.
Esse processo inclui a reiteração e reinterpretação (carvaṇa), a experiência extraordinária de ver e espelhar a emoção (camatkāra), e a sādhāraṇikaraṇa (empatia compartilhada/universalização), onde uma emoção pessoal se torna um afeto transpessoal coletivamente processado, levando à compaixão.
Abhinavgupta também introduziu o Śānta rasa, o rasa fundamental da paz. A paz aqui não é negação ou indiferença, mas uma aceitação compassiva das emoções, tanto prazerosas quanto dolorosas, sem escolha.
Alegria, celebração, companheirismo, humor e afeição são emoções transitórias associadas à paz.
Parā Bhakti e a Unidade do Amor
O Śānta rasa serve de base para uma psicologia social fundamentada na paz.
Dentro das IKT, o amor imerso e descarado é referido como Bhakti. Filósofos Bengali Vaiśṇava, como Śrīla Goswami, reformularam os conceitos de rasa e bhāva para o bem-estar relacional, definindo Bhāva como um estado intencional e focado de contemplação em relação a uma consciência com forma e nome. Rasa, por sua vez, foi definida como "uma experiência de espanto e alegria/deleite além da contemplação".
Śrīla Goswami identificou cinco modos relacionais que um praticante contemplativo pode assumir intencionalmente para um relacionamento vitalício com o divino, onde o śānta bhakti (amor tranquilo) é o degrau mais baixo, seguido por dāsya (servidão), sakhya (amizade), vātsalyam (cuidado com o divino como criança) e sṛṅgāra (amor pelo divino como amante). Essa jornada demonstra a transformação do drama emocional no palco da vida para o reconhecimento de um único "Outro" divino.
Bhāvanā: Recriando o Mundo Através do Afeto
Finalmente, no ápice da teorização na tradição Śaiva Trika da Caxemira, a palavra Bhāvanā torna-se um pivô para a imersão contemplativa e a recriação de um novo mundo.
Aqui, Bhāvanā se sobrepõe a Dhāraṇā (meditação/imersão).
Nessa visão, Bhāva/Bhāvanā reflete o próprio Self, uma consciência ativa, intencional e autoluminosa. A consciência não é apenas uma testemunha passiva; ela está repleta de intencionalidade e jogo, levando ao auto-reconhecimento.
No texto Vijnāna Bhairava, Śrī Kshemarāja identifica cento e doze bhāvanā para a consciência individualizada reconhecer sua verdadeira natureza não-dual como deleite, alegria e assombro.
Em praticantes avançados, com processos cognitivo-afetivo-comportamentais alinhados, a bhāvanā "recria" o mundo, apagando as dicotomias entre material e espiritual, trabalho e meditação, emoção e cognição. Este processo leva à fruição da Bhāvanā – uma resposta e engajamento intencional, cognitivo-imersivo-afetivo e comportamental com o mundo para criar e recriá-lo.
O Afeto como Força Unificadora
Em suma, nas IKT, o afeto é a característica que une tudo e está intrinsecamente ligado ao Self, transformando-se de uma autoconsciência com senso de propriedade para uma consciência "sem proprietário".
Em vez de apenas focar no afeto como subserviente à cognição, as IKT mostram que o afeto e sua transformação são centrais para a compreensão do eu – que é o bem-estar na vida e no tornar-se encarnado.
Pense na Bhāvanā como a arte de um jardineiro. Ele não apenas controla as ervas daninhas (emoções negativas) ou apenas planta flores bonitas (emoções positivas). Em vez disso, ele cultiva intencionalmente o solo de sua mente, nutrindo cada semente (intenção), podando o que não serve (libertando-se da automaticidade), e observando o jardim florescer em uma beleza única e integrada. É um processo ativo de amor e criação que transforma não apenas o jardim, mas o próprio jardineiro, que se torna uno com a beleza que cultiva.


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