(09) A Saudação ao Sol: Dinâmica Solar como Fundamento Filosófico e Astronômico
- INatha

- 19 de ago.
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de ago.
1. Introdução
O Eixo Ritual do Método INatha, denominado Ekadasha Namaskrama constitui uma proposta singular de reconexão entre o corpo humano, seus ritmos fisiológicos e as grandes ordens cósmicas. Fundamentadas no princípio de ऋत (ṛta, ordem cósmica), essas práticas são concebidas como um ajuste do relógio biológico ao relógio celeste, estabelecendo uma ponte entre tradição védica, astronomia e cronobiologia contemporânea.
Dentre as quatro modalidades propostas – Saudação ao Sol (Sūrya Namaskāra), Saudação à Lua (Candra Namaskāra), Ekādaśī e Shivaratri – a prática solar, associada ao polo Píṅgala nāḍī (पिङ्गल नाडी), ocupa papel axial. Ela se estrutura não apenas como exercício físico ou ritual devocional, mas como pedagogia cósmica, convidando o praticante a alinhar-se com o movimento do Sol na eclíptica, com o ciclo anual e com a alternância das qualidades energéticas do zodíaco.
2. A Centralidade de ऋत (ṛta) e do Sol
No pensamento védico, ṛta é a lei cósmica que garante a regularidade dos fenômenos: a sucessão das estações, o nascer e pôr dos astros, o ciclo do dia e da noite, a fluidez dos rios (Ṛgveda X.190; Jamison & Brereton, 2014). O Sol (sūrya सूर्य), em particular, é a epifania visível desse princípio.
No Ṛgveda, o Sol é invocado como “olho do mundo” (viśvasya cakṣus, ṚV I.115.1), sustentador do ritmo cósmico.
O Atharvaveda descreve-o como “a roda do tempo” (kāla-cakra), que organiza dias, meses e anos (AV XIX.53).
Nas Upaniṣads, o Sol é transfigurado em símbolo do ātman (आत्मन्), a consciência interior que ilumina (Chāndogya Up. III.19; Bṛhadāraṇyaka Up. V.15).
Assim, sintonizar-se ao Sol não é mera disciplina física, mas ato de participação no ṛta, ordenando corpo, respiração e mente de acordo com a ordem cósmica.
3. Estrutura Astronômica: O Sol na Eclíptica
A proposta do Método INatha organiza a Saudação ao Sol em função da progressão do Sol na eclíptica:
A órbita aparente do Sol é dividida em doze segmentos de 30°, correspondendo aos signos zodiacais (rāśi).
Dentro de cada segmento, o Sol é observado em intervalos de 10°:
0°: início de um signo, marcação cardinal, transição de energia.
10°: estabilização da energia (fixa).
20°: preparação para a transição (mutável).
0°: retorno ao zero, reinício no próximo signo.
Essa divisão cria uma estrutura tríplice (cardinal–fixo–mutável) que acompanha tanto a filosofia dos guṇa (सत्त्व, रजस्, तमस्) como a dinâmica das estações do ano.
Cardinal (0°) – Impulso inicial, energia de começo, análoga a रजस् (rajas).
Fixo (10°) – Estabilidade, continuidade, análoga a सत्त्व (sattva).
Mutável (20°) – Flexibilidade, preparação para mudança, análoga a तमस् (tamas) enquanto força de dissolução do ciclo.
Ao praticar o Sūrya Namaskāra nesses pontos, o indivíduo internaliza a experiência da Terra orbitando o Sol, transformando a mecânica astronômica em vivência corporal e espiritual.
4. Filosofia e Simbologia dos Ciclos Solares
4.1 O Ano Solar (Saṃvatsara)
O Sol, ao percorrer os 360° da eclíptica, compõe o ciclo anual (saṃvatsara), que nas tradições védicas regula os sacrifícios, os votos ascéticos e a vida social (Kane, 1962). Cada quadrante de 90° marca uma estação, vinculando-se diretamente ao corpo humano:
Vasanta (primavera) – Renascimento, juventude, impulso vital.
Grīṣma (verão) – Plenitude, força, maturidade.
Śarad (outono) – Colheita, envelhecimento,
Varṣā (inverno) – Fertilidade, introspecção, nutrição.
O Método INatha traduz esse conhecimento em disciplinas semanais, de modo que cada praticante se torne um microcosmo ajustado ao macrocosmo.
4.2 A Tríplice Estrutura do Zodíaco
A alternância cardinal–fixo–mutável reflete a própria dinâmica do ṛta: começo, estabilidade e dissolução. Esse ritmo é encontrado em:
Ṛgveda (X.90), no hino do Puruṣa, em que criação, sustentação e dissolução se integram.
Filosofia Sāṃkhya, que descreve a oscilação dos guṇa.
Haṭhayoga, que integra energias solar (ha) e lunar (ṭha) mediadas pelo equilíbrio central.
4.3 O Sol e a Consciência
Na tradição do yoga, o Sol simboliza cit (consciência desperta). Ao orientar a prática pelo movimento solar, o INatha enfatiza a claridade, vitalidade e expansão da consciência, preparando o terreno para a posterior integração com a Lua e com o eixo central (suṣumṇā).
5. Astronomia e Prática: da Eclíptica ao Corpo
A prática semanal do Sūrya Namaskāra torna-se um espelho microcósmico da astronomia:
Movimento diurno: alternância entre manhã (nascer) e meio-dia (ápice) e entardecer.
Movimento anual: progressão de 10° na eclíptica, acompanhando o Sol em sua jornada zodiacal.
Movimento energético: ativação da Píṅgala nāḍī, correspondendo à energia solar do corpo, calor, ação, clareza.
Do ponto de vista fisiológico, essa prática acompanha pesquisas contemporâneas sobre ritmos circadianos (Foster & Kreitzman, 2017). A sincronização da prática com o Sol promove:
Regulação hormonal (cortisol, melatonina).
Ajuste do metabolismo e do sistema imunológico.
Equilíbrio psíquico, reduzindo disritmias entre tempo biológico e tempo social.
6. A Dimensão Ritual e Pedagógica
A proposta do Método INatha não é apenas fisiológica ou devocional, mas pedagógica e filosófica:
Ensina astronomia vivencial: o praticante aprende o movimento do Sol e das estações no corpo.
Atualiza filosofia védica: o princípio de ṛta torna-se disciplina diária.
Cria um calendário espiritual: ao longo do ano, o praticante percorre todos os signos e qualidades energéticas, vivendo o zodíaco como caminho existencial.
Assim, a prática se torna liturgia corporal do cosmos, em que a ciência dos astros se funde com a ciência do corpo.
7. Considerações Finais
A Saudação ao Sol no Método INatha revela-se muito mais do que um exercício físico ou devoção solar. Ela constitui um sistema de integração entre filosofia védica, astronomia sideral, cronobiologia contemporânea e pedagogia espiritual.
Ao distribuir as práticas em intervalos de 10° da eclíptica, a proposta cria um relógio iniciático, no qual cada etapa do ciclo solar encontra expressão corporal e meditativa. O praticante, ao longo de um ano, não apenas acompanha o Sol – ele torna-se o Sol, na medida em que sua respiração, seu corpo e sua consciência são ajustados ao ritmo universal do ṛta.
Trata-se, portanto, de um caminho de harmonia integral, em que o polo solar (Píṅgala), ao ser cultivado, prepara o terreno para a integração posterior com o polo lunar (Idā) e com a síntese espiritual da Suṣumṇā.
Bibliografia
Brereton, J.; Jamison, S. The Rigveda: A New Translation. Oxford University Press, 2014.
Feuerstein, G. The Yoga Tradition: Its History, Literature, Philosophy and Practice. Hohm Press, 1998.
Foster, R.; Kreitzman, L. Circadian Rhythms: A Very Short Introduction. Oxford University Press, 2017.
Gonda, J. Ancient Indian Kingship from the Religious Point of View. Leiden: Brill, 1966.
Kane, P.V. History of Dharmaśāstra. Vol. IV. Poona: Bhandarkar Oriental Research Institute, 1962.
Mallinson, J.; Singleton, M. Roots of Yoga. Penguin Classics, 2017.
Staal, F. Discovering the Vedas. Penguin, 2008.
White, D. G. The Alchemical Body: Siddha Traditions in Medieval India. University of Chicago Press, 1996.


Comentários