Surya Namaskār: Linhagens, História e Filosofia da Saudação ao Sol.
- INatha

- 26 de ago.
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Introdução
O Surya Namaskār (IAST: Sūrya Namaskāra, “Saudação ao Sol”) é, hoje, uma das sequências mais difundidas do yoga moderno. Ele aparece em quase todas as tradições contemporâneas — de Sivananda Yoga a Ashtanga Vinyasa, de Satyananda Yoga ao Iyengar Yoga —, mas sua origem, formas e sentidos variam profundamente.
O que muitos praticantes realizam como simples aquecimento é, na verdade, um fenômeno cultural e espiritual plural, com raízes que atravessam o treinamento físico indiano, a devoção védica ao Sol e a sistematização moderna de práticas corporais no início do século XX.
Origens históricas
Raízes védicas: o Sol (Sūrya, Āditya) sempre foi central no hinduísmo védico, com hinos no Ṛg Veda e práticas de saudação. A reverência ao Sol era simbólica e ritual, não necessariamente uma série de āsanas.
Práticas físicas indianas: no Norte da Índia, lutadores (pehlwans) praticavam dand e baithak, formas de flexões e agachamentos rítmicos, muitas vezes encadeados em séries semelhantes ao Surya Namaskar moderno. O manual Vyayāma Dīpikā (1896) descreve sequências corporais que lembram a Saudação ao Sol.
Aundh (Maharashtra): o Raja de Aundh, Bhawanrao Shriniwasrao Pant Pratinidhi (1868–1951), foi o grande responsável por sistematizar e popularizar a sequência com 10–12 posturas, divulgando-a em livros e escolas como prática de saúde nacional.
Mysore (Sul da Índia): nos anos 1930–40, em paralelo ao palácio de Krishnamacharya, havia salas dedicadas ao ensino de Surya Namaskar como exercício físico. O diálogo entre estas práticas e o trabalho de Krishnamacharya ajudou a consolidar o vinyasa moderno.
Linhas modernas de Surya Namaskār
1. Sivananda Yoga
Sequência: 12 posturas clássicas, começando em Prāṇāmāsana (oração) e retornando simetricamente.
Marca: cada postura pode ser acompanhada de um mantra solar (total de 12), evocando diferentes aspectos de Sūrya.
Ênfase: prática equilibrada, suave, com foco tanto físico quanto devocional. Serve de aquecimento para os 12 āsanas principais do sistema Sivananda.
2. Satyananda Yoga / Bihar School of Yoga
Sequência: 12 posturas, similar ao modelo Sivananda.
Marca: integração de bīja mantras (sons-semente), visualizações de chakras e consciência respiratória.
Ênfase: a Saudação ao Sol não é apenas ginástica, mas uma sādhana completa, que une corpo, respiração, energia e mente.
3. Krishnamacharya e a linhagem de Mysore
Ashtanga Vinyasa Yoga (Pattabhi Jois):
Surya Namaskar A: 9 vinyasas.
Surya Namaskar B: 17 vinyasas.
Prática tradicional: 5 repetições de A + 5 de B, abrindo toda a série de Ashtanga.
Viniyoga (Desikachar): o Surya Namaskar é adaptado ao aluno, podendo ter ritmo lento, respiros mais longos ou ajustes terapêuticos.
Ênfase: o fluxo respiratório (vinyasa) é a chave. A sequência é base do treinamento físico intenso de Mysore.
4. Iyengar Yoga
Sequência: existe uma forma de Surya Namaskar no sistema Iyengar, mas não é central.
Marca: em vez de fluxo contínuo, o Surya é usado de forma pedagógica, com detalhamento do alinhamento e até uso de props.
Ênfase: correção postural, consciência do detalhe, exploração estática de cada estágio.
5. Tradições regionais – Norte e Sul da Índia
Norte/Oeste (Aundh, Maharashtra): estilo mais atlético, rítmico, com séries numerosas, voltado ao condicionamento físico e à saúde pública.
Sul (Mysore, Karnataka/Tamil Nadu): estilo mais fluido, vinyasa, integrando respiração e postura. Foi nesse caldo cultural que Krishnamacharya desenvolveu sua pedagogia.
Comparativo das principais linhagens
Linha | Contagem | Características | Ênfase |
Sivananda | 12 posturas | Mantras solares opcionais | Equilíbrio e devoção |
Satyananda | 12 posturas | Bīja mantras, chakras | Sādhana integrada |
Ashtanga | A=9, B=17 vinyasas | Sequência fixa, ritmo intenso | Força, calor interno |
Viniyoga | Variável | Adaptação ao praticante | Terapia e personalização |
Iyengar | Variável | Alinhamento, props | Técnica e pedagogia |
Aundh | 10–12 posturas em séries longas | Atividade física rítmica | Saúde pública, vigor |
Dimensão simbólica
Surya é visto nos Vedas como a luz da consciência, o olho cósmico.
No contexto do yoga, cada gesto do Surya Namaskar é também uma oração em movimento, onde o corpo se torna veículo de adoração.
As versões devocionais (Sivananda, Bihar) resgatam esse sentido, enquanto as atléticas (Aundh, Ashtanga) priorizam vigor e disciplina — mas todas guardam o mesmo núcleo: saudar a energia solar, externa e interna.
Conclusão
O Surya Namaskār não é um padrão único: é um campo de convergências entre religião, cultura física, pedagogia do corpo e espiritualidade. Do Raja de Aundh a Krishnamacharya, de Sivananda a Pattabhi Jois, o que se consolidou foi uma multiplicidade de formas de saudar a luz interior e exterior.
Na prática devocional, terapêutica ou atlética, o Surya Namaskar é sempre um convite à integração do movimento, respiração, energia e consciência — um gesto solar que ilumina a senda do yoga.


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