Surya Namaskar das Raízes Devocionais às Codificações Modernas.
- INatha

- 26 de ago.
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Atualizado: 27 de ago.
Introdução
O Surya Namaskar (Saudação ao Sol) é hoje um dos encadeamentos de posturas mais conhecidos no yoga contemporâneo. Presente em quase todas as escolas, ele se apresenta tanto como prática física (ásanas e vinyāsas), quanto como disciplina energética (prāṇāyāma), mental (dhāraṇā) e devocional (bhakti).
Mas sua história não é linear: o Surya Namaskar que conhecemos hoje é resultado de uma confluência de práticas devocionais muito antigas, hinos védicos ao Sol, rituais corporais de reverência, técnicas marciais indianas, exercícios de cultura física do início do século XX, e adaptações pedagógicas de mestres modernos como Sivananda, Satyananda (Bihar School), Krishnamacharya, Pattabhi Jois, Iyengar e Desikachar.
A – As raízes devocionais e inspirações antigas
1. O Sol nos Vedas e Upaniṣads
O Rig Veda contém inúmeros hinos dedicados a Sūrya, o Sol, visto como o olho do cosmos (sūryaḥ cakṣuḥ jagatas tasthuṣaś ca).
O Āditya Hṛdayam, presente no Rāmāyaṇa, é um hino devocional a Sūrya recitado por Rāma antes da batalha contra Rāvaṇa.
O Sūrya Namaskāra Mantra, encontrado em tradições bramânicas, já expressava a invocação dos doze nomes do Sol (Mitra, Ravi, Sūrya, Bhānu, Khaga, Puṣan, Hiraṇyagarbha, Marīci, Āditya, Savitṛ, Arka, Bhāskara).
Essas práticas eram verbais e meditativas, mas estabelecem a base devocional que mais tarde inspiraria movimentos corporais.
2. Práticas corporais devocionais (prostrações)
Antes de existirem encadeamentos codificados, havia práticas físicas de saudações devocionais, como:
Prostrações védicas: o ato de deitar-se no chão em reverência ao Sol nascente.
Namaskāra do Bhakti: movimentos de levar as mãos ao coração, à testa e ao alto da cabeça, usados em rituais templários.
Danças rituais dravídicas e práticas marciais do Kalaripayattu do Kerala, que incluíam sequências de saudações ao Sol como aquecimento e invocação da energia vital.
Esses movimentos não eram ásanas no sentido estrito, mas possuíam um caráter de vinyāsa devocional: unir respiração, gesto e intenção espiritual.
3. Séculos XIX e XX: a ponte com a cultura física
No período colonial, o corpo indiano foi colocado em diálogo com a ginástica militar britânica e a cultura física ocidental. Reformadores como o Raja de Aundh (Bhavanrao Shriniwasrao Pant Pratinidhi, início do século XX) organizaram sistematicamente um Surya Namaskar de 10 a 12 movimentos, que combinava prostrações devocionais com exercícios físicos.Esse formato influenciou decisivamente as linhagens modernas de yoga.
B – As codificações modernas do Surya Namaskar
1. Sivananda e Vishnudevananda
No sistema de Sivananda Yoga Vedanta, codificado por Swami Vishnudevananda:
São 12 posições encadeadas, cada uma acompanhada por um dos 12 mantras solares.
O ciclo integra: oração inicial (Om Suryaya Namah etc.), prática física, respiração consciente e oferenda mental.
Estrutura geral: Pranamasana → Hasta Uttanasana → Padahastasana → Ashwa Sanchalanasana → Parvatasana → Ashtanga Namaskara → Bhujangasana → Parvatasana → Ashwa Sanchalanasana → Padahastasana → Hasta Uttanasana → Pranamasana.
Enfoque: equilíbrio de bhakti e hatha yoga. Respiração é coordenada (inalar ao abrir, exalar ao fechar).
2. Satyananda (Bihar Yoga School)
Swami Satyananda Saraswati sistematizou o Surya Namaskar com forte ênfase em chakras, mantras e prāṇāyāma:
Cada postura é associada a um chakra específico, um bīja mantra (como Om hrām, hrīm, hrūm etc.), e ao mesmo tempo ao nome solar correspondente.
Há três níveis de prática:
Físico – simples sequência de posturas e respiração.
Psíquico – integração com consciência nos chakras e visualização de luz solar.
Espiritual/devocional – recitação dos 12 mantras solares com bhāvanā (visualização).
Enfoque: síntese de Hatha, Raja e Bhakti Yoga, transformando o Surya em prática de purificação integral.
3. Krishnamacharya e discípulos
a) Krishnamacharya
Via o Surya Namaskar como um vinyāsa krama (sequência de movimento com respiração) e não como ritual separado.
O ritmo era adaptado ao praticante, com ênfase na respiração ujjāyī e no foco interno (dr̥ṣṭi).
b) Pattabhi Jois (Ashtanga Vinyasa Yoga)
Estruturou dois ciclos básicos: Surya Namaskar A (9 movimentos) e Surya Namaskar B (17 movimentos).
Integrados com ujjāyī prāṇāyāma, bandhas (Mula e Uddiyana) e dr̥ṣṭis.
Tornaram-se a base do sistema Ashtanga Vinyasa Yoga, com repetições que aquecem o corpo e abrem para as séries.
c) B.K.S. Iyengar
Não enfatizou tanto a sequência como ritual fixo, mas utilizava elementos do Surya Namaskar como educação postural e alinhamento.
Menos fluidez, mais precisão e permanência nas posturas.
d) T.K.V. Desikachar (Viniyoga)
Adaptava o Surya Namaskar ao perfil do aluno, variando ritmo, número de repetições, ênfase respiratória ou devocional.
Preservava a noção de prática personalizada e não de série fixa.
Conclusão: entre devoção e técnica
O Surya Namaskar é fruto de um longo processo histórico de integração entre devoção, ritual, saúde e pedagogia do corpo.
Nas raízes védicas e templárias, era essencialmente um gesto de oferenda ao Sol.
Nos séculos XIX e XX, ganhou contornos de exercício físico, marcado por saúde, disciplina e regeneração nacional.
Nos sistemas modernos de yoga, transformou-se em uma ponte entre tradição e inovação, variando do caráter devocional-mantrico (Sivananda e Bihar) ao dinâmico-físico (Krishnamacharya, Ashtanga, Iyengar, Viniyoga).
Mais que um simples exercício, o Surya Namaskar revela como o yoga se mantém vivo ao longo do tempo: sempre em diálogo entre o Sagrado e o Corpo, entre cosmos e indivíduo, entre a luz solar externa e o sol interior da consciência.


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