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Chandra Namaskāra: História, Mitologia e Perspectivas Contemporâneas da Saudação à Lua.

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 27 de ago.
  • 4 min de leitura

Introdução

O Chandra Namaskāra (चन्द्र नमस्कार), ou Saudação à Lua, tornou-se nos últimos decênios uma prática difundida em escolas de yoga contemporâneo como um contraponto ao célebre Sūrya Namaskāra (Saudação ao Sol). Diferente desta última, cujas raízes rituais e litúrgicas podem ser traçadas em tradições védicas e em práticas de ginástica ritualizadas na Índia moderna, o Chandra Namaskāra apresenta uma gênese mais recente, marcada por uma síntese de influências: a mitologia lunar dos Vedas e Purāṇas, rituais tântricos de adoração à Lua, práticas devocionais regionais e adaptações pedagógicas do yoga pós-colonial.


O objetivo deste artigo é realizar um raio-x histórico, mitológico e ritualístico dessa prática, destacando o que já se consolidou como tradição, o que foi inovação moderna e quais caminhos podem ser abertos para um desenvolvimento mais consistente de uma verdadeira liturgia lunar no yoga contemporâneo.


1. Contexto histórico do Chandra Namaskāra

Ao contrário da saudação ao Sol, não há evidência textual ou iconográfica de uma série de posturas sistematizadas como “Saudação à Lua” antes do século XX.


  • O termo Namaskāra (नमस्कार) é antigo e presente tanto em contextos devocionais quanto em saudações sociais, significando “inclinação reverente”.

  • A Lua (Candra ou Soma) é divindade já exaltada nos Vedas, especialmente no Ṛgveda, onde aparece como princípio de fertilidade, soma sacramental e ciclo do tempo.

  • No entanto, não há menção a sequências corporais relacionadas a Candra Namaskāra. Sua configuração como série de 12, 14 ou 28 movimentos parece ser uma adaptação moderna inspirada diretamente no Surya Namaskāra, criada em escolas como Bihar School of Yoga (Swami Satyananda, década de 1960) e algumas linhagens de yoga contemporâneo nos anos 1980.


Portanto, historicamente, o Chandra Namaskāra é uma criação pedagógica moderna, mas alimentada por um imaginário védico e tântrico que legitima sua simbologia.


2. A Lua nos Vedas e Purāṇas


2.1 Candra nos Vedas

  • No Ṛgveda, Candra aparece como epíteto de Soma, o princípio extático e a bebida ritual dos deuses.

  • O hino RV 10.85 o liga ao casamento cósmico, simbolizando fertilidade e renovação.

  • O Atharvaveda relaciona a Lua ao frescor, à cura e às ervas medicinais (oṣadhi-pati).


2.2 Candra nos Purāṇas

  • Nos Purāṇas, Candra é descrito como filho do sábio Atri e de Anasūyā.

  • Governa as plantas, a seiva vital e a mente (manas).

  • Tem 27 esposas, as 27 nakṣatras (mansões lunares), o que vincula seu culto à astrologia e ao calendário ritual.

  • O mito de sua maldição por Dakṣa e subsequente “crescente e minguante” conecta a Lua ao ciclo da morte e renascimento.


2.3 O simbolismo da Lua

  • Ciclicidade: o tempo não linear, mas circular.

  • Receptividade: a Lua reflete a luz do Sol, representando a consciência refletida.

  • Feminilidade: associada a Śakti, fertilidade e água.

  • Ritualidade: regula festivais, jejuns (vrata) e observâncias ligadas a Devis e a Śiva.


3. Dimensão tântrica e ritual da Lua

Nos sistemas tântricos e na astrologia védica, a Lua ocupa posição central:


  • Bindu: no Śaiva Tantra, a Lua é simbolizada pelo bindu, gota de néctar imortal (amṛta) que goteja da cabeça (sahasrāra) e deve ser preservada pela prática de mudrā e bandha.

  • Somayāga: o sacrifício de Soma era considerado via de acesso ao êxtase e imortalidade.

  • Kālacakra Tantra: associa o Sol e a Lua como respirações internas (piṅgalā e iḍā nāḍī). A Lua corresponde ao fluxo refrescante, feminino e introspectivo.

  • Vratas lunares: práticas de jejum e adoração lunar, como Soma-vāra vrata (jejum às segundas-feiras para Śiva), ou festivais como Karva Chauth e Sharad Purnima, mostram a Lua como foco devocional.


Essas camadas simbólicas fornecem o pano de fundo para legitimar a inserção de um “namaskāra lunar” no yoga contemporâneo.


4. O surgimento do Chandra Namaskāra moderno

As primeiras codificações de Chandra Namaskāra surgem na Bihar School of Yoga (década de 1960), onde Swami Satyananda Saraswati apresenta uma série complementar ao Surya Namaskāra, destacando:


  • Ênfase noturna, preferencialmente praticada à lua cheia.

  • Sequência mais suave, meditativa, com foco em alongamentos laterais e aberturas pélvicas.

  • Uso de 14 posições, associadas às fases lunares.


Outras linhagens, sobretudo no yoga de influência norte-americana dos anos 1980-90, criaram variações com 12 ou 28 posturas, relacionando-as respectivamente aos meses lunares e ao ciclo completo das nakṣatras.

A sistematização moderna demonstra criatividade pedagógica, mas carece de base textual antiga — trata-se de uma prática devocional contemporânea inspirada no simbolismo lunar.


5. Perspectivas de desenvolvimento contemporâneo

Apesar da origem recente, o Chandra Namaskāra abre possibilidades fecundas para o yoga moderno:


5.1 Integração com ciclos lunares

  • Prática na lua cheia (pūrṇimā) e lua nova (amāvasyā) como momentos de interiorização e renovação.

  • Ressonância com calendários védicos e festivais tradicionais.


5.2 Dimensão psíquica

  • Relacionar a sequência ao cultivo de calma, receptividade, intuição e regeneração.

  • Contraponto yin ao caráter solar, yang e ativo do Sūrya Namaskāra.


5.3 Integração tântrica

  • Releitura do bindu e do néctar lunar (amṛta) na fisiologia sutil.

  • Relação com iḍā nāḍī e práticas respiratórias de resfriamento (candra-bhedana prāṇāyāma).


5.4 Perspectiva mitopoética

  • Possibilidade de criar mantras e liturgias inspirados nos hinos védicos ao Soma e nas tradições devocionais às nakṣatras.

  • Desenvolvimento de uma narrativa simbólica que legitime a prática na tradição mais ampla do yoga.


Conclusão

O Chandra Namaskāra, diferentemente do Sūrya Namaskāra, não possui raízes diretas em práticas védicas ou rituais pré-modernos de posturação. Trata-se de uma criação contemporânea, fruto do diálogo entre pedagogia moderna e simbolismo tradicional.


Sua legitimidade, no entanto, não está na antiguidade, mas na capacidade de integrar elementos mitológicos, tântricos e devocionais à experiência corporal e meditativa. Assim, ele se coloca como uma via para o yoga do futuro: uma liturgia lunar que articula corpo, respiração e mito em consonância com os ciclos da natureza e da consciência.


Referências bibliográficas


  • Atharva Veda, Saṁhitā.

  • Ṛgveda Saṁhitā.

  • Bṛhat Saṁhitā de Varāhamihira.

  • Satyananda Saraswati, Asana Pranayama Mudra Bandha. Bihar School of Yoga, 1969.

  • Flood, Gavin. An Introduction to Hinduism. Cambridge University Press, 1996.

  • White, David Gordon. The Alchemical Body: Siddha Traditions in Medieval India. University of Chicago Press, 1996.

  • Brooks, Douglas. The Secret of the Three Cities: An Introduction to Hindu Śākta Tantrism. University of Chicago Press, 1990.

 

 
 
 

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