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Candra e Soma: Apanhado Histórico, Filosófico e Mitológico:

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 27 de ago.
  • 4 min de leitura

1. Introdução

O universo védico-tântrico concebe o cosmos como uma rede viva de deidades, forças e símbolos que encarnam ritmos naturais e princípios metafísicos. Entre eles, destacam-se Candra (a Lua) e Soma (a substância, o deus e o princípio do néctar).


Apesar de frequentemente confundidos ou tratados como equivalentes, cada termo carrega nuances próprias, revelando camadas distintas da tradição indiana. Este ensaio busca rastrear as origens, diferenças e conexões entre ambos, articulando sua presença nos Vedas, nos Purāṇas, na filosofia, nos rituais e em leituras contemporâneas.


2. Candra: a Lua como corpo celeste e divindade


2.1 Etimologia e simbolismo

  • Candra (चन्द्र) deriva da raiz cand, “brilhar”, “resplandecer”.

  • Designa tanto o astro físico (Lua) quanto a divindade lunar.

  • É associado ao frescor, à beleza suave, ao brilho noturno e à natureza reflexiva, contrastando com o Sol (Sūrya).


2.2 Candra nos Vedas

  • Nos hinos do Ṛgveda, Candra aparece mais como um astro do que como uma deidade autônoma.

  • Seu brilho é descrito como um reflexo do fogo cósmico, reforçando a ideia de complementaridade ao Sol.


2.3 Desenvolvimento purânico

  • No Mahābhārata e nos Purāṇas, Candra surge como uma deidade com genealogia própria: filho de Atri e Anasūyā.

  • É descrito como Soma, mas também como esposo das 27 nakṣatras (filhas de Dakṣa), simbolizando o vínculo lunar com o zodíaco sideral.

  • Mitologicamente, Candra carrega tanto o aspecto benevolente quanto o transgressor (sua paixão pela esposa Rohiṇī acima das outras nakṣatras gerou a maldição de Dakṣa, condenando-o ao ciclo de crescimento e decrescimento).


2.4 Filosofia e astrologia

  • Em Jyotiṣa (astrologia védica), Candra é o graha lunar, regente da mente (manas), da memória e das emoções.

  • Sua natureza mutável reflete os estados flutuantes da psique.


3. Soma: o néctar, o rito, o deus


3.1 Etimologia e polissemia

  • Soma (सोम) provém da raiz su, “extrair, prensar”.

  • Refere-se a:

    1. A planta cujo suco era extraído.

    2. O néctar produzido no rito.

    3. O deus Soma, que personifica esse princípio.


3.2 Soma nos Vedas

  • Soma é um dos deuses mais celebrados do Ṛgveda.

  • É o suco sacrificial oferecido aos deuses, especialmente a Indra, que dele obtém força para derrotar Vṛtra.

  • É também deus imortalizante, pois seu consumo confere vigor, clarividência e êxtase místico.


3.3 Soma como princípio cósmico

  • Soma é descrito como o “rei das plantas”, “senhor da inspiração” e “amigo dos deuses”.

  • Associado à lua cheia, ele se torna o “cálice” que cresce e mingua, distribuindo o néctar às divindades.

  • Aqui surge uma interseção entre Soma e Candra: o astro lunar como recipiente do soma.


3.4 Soma no contexto filosófico

  • Nas Upaniṣads, Soma se torna símbolo do rasa (essência vital, sabor) que permeia o cosmos.

  • No Ayurveda e no Tantra, Soma é associado à seiva, ao frescor, à nutrição, em contraste ao calor ardente de Agni.


4. Diferenças entre Candra e Soma

Aspecto

Candra

Soma

Natureza

Astro, deidade lunar

Planta, néctar, deus

Enfoque

Astronômico, astrológico, mitológico

Ritual, sacrificial, místico

Simbolismo

Mente, emoções, ciclos, reflexão

Essência, êxtase, imortalidade

Origem textual

Mais forte nos Purāṇas e Jyotiṣa

Central no Ṛgveda

Função

Refletir, regular, nutrir a mente

Energizar, imortalizar, inspirar

Iconografia

Lua crescente na testa de Śiva

Cálice, seiva, fluxo vital

5. Conexões entre Candra e Soma

Apesar das distinções, a tradição progressivamente identificou Candra e Soma:


  1. Cosmologicamente, a Lua cheia é vista como o recipiente do Soma, cujo néctar vai sendo distribuído aos deuses conforme mingua.

  2. Astrologicamente, a Lua rege o frescor, a fertilidade e a seiva vital, aspectos que ecoam a função de Soma.

  3. Iconograficamente, Śiva porta a Lua em sua fronte (Candraśekhara) como sinal do controle sobre o Soma e o tempo.

  4. No Tantra, Candra e Soma convergem no bindu do sahasrāra, o “néctar da imortalidade” que desce pelo corpo sutil.


6. Outras camadas de interpretação


6.1 Relação com Śiva

  • Śiva bebeu o veneno do oceano cósmico e, ao portar Candra na cabeça, tornou-se guardião do fluxo de Soma, equilibrando morte e imortalidade.


6.2 Relação com Viṣṇu

  • Viṣṇu é chamado Soma-pati (“senhor do soma”), pois preserva a ordem cósmica nutrida por esse néctar.


6.3 Relação com o feminino

  • Soma é associado ao śakti nutritivo, enquanto Candra rege a fertilidade e os ciclos femininos.

  • Essa dimensão aproxima-os do simbolismo da deusa e do aspecto lunar do tempo.


7. Leituras contemporâneas

  • No yoga moderno, “Chandra” inspira práticas de suavidade, introspecção e equilíbrio.

  • No Ayurveda, “Soma” simboliza os princípios de frescor, lubrificação e regeneração, em contraste com Agni (fogo digestivo).

  • Na psicologia simbólica, Candra e Soma podem ser lidos como metáforas da psique líquida, emocional, nutridora, em contraste com a consciência solar-volitiva.


8. Conclusão

Candra e Soma não são termos intercambiáveis, mas camadas complementares de uma mesma constelação simbólica. Enquanto Candra personifica o astro lunar e a mente humana em sua mutabilidade, Soma encarna a essência vital, o néctar e a experiência de transcendência. No encontro entre ambos se encontra uma das chaves mais profundas do pensamento védico e tântrico: o tempo cíclico, a nutrição cósmica e a possibilidade de imortalidade.

 
 
 

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