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Os Tantra no Contexto dos Vedas e dos Śramaṇas (Parte 01).

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    INatha
  • 27 de ago.
  • 4 min de leitura

Abertura

A palavra तन्त्र (tantra), literalmente "tecido" ou "trama", deriva da raiz sânscrita √tan — "estender, expandir, entrelaçar". Em sua acepção mais antiga, o termo tantra está associado tanto à noção de continuidade de um princípio quanto a uma técnica ou método para estender o conhecimento e o poder espiritual. A tradição tântrica, no entanto, não surgiu de forma isolada, mas se desenvolveu no fértil terreno de interações entre a religião védica, os movimentos श्रवण (śramaṇa) — "aqueles que se esforçam" — e o processo de transformação cultural do subcontinente indiano entre o final do período védico e a ascensão das escolas filosóficas clássicas.


O presente artigo busca explorar o papel dos tantra no contexto dos Vedas e dos Śramaṇas, apresentando a tessitura histórica, ritual, filosófica e simbólica que caracteriza esse campo complexo e muitas vezes controverso da tradição indiana.


Tantra e Vedas: continuidade e ruptura

Nos वेद (veda) — literalmente "conhecimento" — encontram-se os primeiros indícios daquilo que mais tarde se tornaria a cosmovisão tântrica.


Nos ऋग्वेद (ṛgveda), hinos como o célebre Puruṣa Sūkta já apresentam a ideia de um corpo cósmico, um princípio que se estende e se desdobra em todas as direções. Essa imaginação ritual de expansão e entrelaçamento é a base do que viria a ser entendido como tantra.


Contudo, o tantra não se limitou a herdar símbolos védicos. Ele também se posicionou de maneira crítica frente à ortodoxia bramânica. Enquanto os rituais védicos eram centrados na यज्ञ (yajña) — o sacrifício —, com forte ênfase no papel sacerdotal dos ब्राह्मण (brāhmaṇa), os tantra deslocaram o eixo da prática para uma dimensão interiorizada, ligada ao corpo, à energia e ao acesso direto ao divino.


Nesse sentido, eles representam tanto continuidade quanto ruptura: herdam a linguagem ritual do veda, mas a ressignificam no campo da experiência pessoal.


Śramaṇas e a matriz do Tantra

O movimento dos śramaṇas desempenhou papel fundamental no florescimento do tantra. Grupos de renunciantes e buscadores — incluindo जैन (jaina), बौद्ध (bauddha, budistas), आजीविक (ājīvika) e चार्वाक (cārvāka) — criaram um ambiente intelectual e espiritual onde a experimentação ritual, meditativa e filosófica era central.


Os śramaṇas questionaram a autoridade absoluta dos veda e propuseram novos caminhos de liberação: o ascetismo rigoroso dos jainas, o Caminho do Meio dos budistas, o determinismo dos ājīvika, e até mesmo o materialismo radical dos cārvāka.


Nesse contexto plural, o tantra encontrou terreno fértil para expandir práticas que envolviam tanto o corpo quanto a mente, buscando superar a dicotomia entre espiritualidade e materialidade.


O aspecto experimental dos śramaṇas — técnicas de respiração, meditação, concentração, rituais corporais — abriu caminho para práticas tântricas que mais tarde se consolidariam no हठयोग (haṭhayoga) e nos sistemas de culto à energia feminina (शक्ति, śakti).


Os elementos centrais do Tantra

O tantra se define menos como uma escola filosófica e mais como um corpo de práticas e visões que atravessam tradições. Entre seus elementos fundamentais destacam-se:


  1. Corpo como templo — O corpo humano (देह, deha) é visto como microcosmo do universo (ब्रह्माण्ड, brahmāṇḍa).

  2. Energia e Śakti — A noção de शक्ति (śakti), a potência cósmica feminina, ocupa posição central.

  3. Rituais de transgressão — Os pañcamakāra ou "cinco M" (vinho, carne, peixe, grãos torrados e união sexual ritualizada) representam práticas de transcendência das normas sociais e ascensão espiritual.

  4. Mantra e Yantra — O uso de मन्त्र (mantra) e यन्त्र (yantra) é estruturante. O mantra é a vibração sonora da realidade, enquanto o yantra é sua geometria simbólica.

  5. Guru-śiṣya — A transmissão do conhecimento tântrico é oral, através da relação entre mestre (गुरु, guru) e discípulo (शिष्य, śiṣya).


Tantra como síntese cultural

O desenvolvimento do tantra não deve ser visto apenas como oposição aos Vedas ou como simples derivação dos śramaṇas, mas como um movimento de síntese. Ele incorpora elementos do ritualismo védico, do ascetismo śramaṇa e de tradições populares locais, como cultos tribais e devoções às divindades da fertilidade e da morte.


Nesse sentido, o tantra reflete uma Índia plural, onde múltiplas camadas de religiosidade se entrelaçam. Ele é, por excelência, a "trama" que integra o sagrado védico, a rebeldia śramaṇa e a sabedoria popular em um tecido único.


Conclusão

O tantra, ao situar-se entre os Vedas e os Śramaṇas, revela-se como uma das expressões mais complexas e dinâmicas da tradição indiana. Ele não é apenas um conjunto de rituais esotéricos, mas uma filosofia da expansão, uma arte de entrelaçar o humano e o divino, o corpo e o cosmos, a transgressão e a transcendência.


Na medida em que reinterpreta símbolos védicos e dialoga com as inovações śramaṇa, o tantra exemplifica a capacidade indiana de absorver, transformar e recriar significados espirituais. Estudar o tantra nesse contexto é compreender não apenas um fenômeno religioso, mas um modo de ver o mundo como uma rede viva de interconexões.


Bibliografia


  • Eliade, Mircea. Yoga: Immortality and Freedom. Princeton University Press, 1969.

  • Flood, Gavin. The Tantric Body: The Secret Tradition of Hindu Religion. I.B. Tauris, 2006.

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  • Sanderson, Alexis. "History through Textual Criticism in the Study of Śaivism, the Pañcarātra and the Buddhist Yoginītantras." In Les sources et le temps, Institut Français de Pondichéry, 2001.

  • White, David Gordon. Tantra in Practice. Princeton University Press, 2000.

 
 
 

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