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Os Tantra no Contexto dos Vedas e dos Śramaṇas (Parte 02): Os Pāśupatas (पाशुपत).

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    INatha
  • 27 de ago.
  • 4 min de leitura

Os Pāśupatas (पाशुपत) no Contexto dos Vedas, Śramaṇas e Tantras


Introdução

O movimento dos Pāśupata (पाशुपत, pāśupata, “seguidores de Paśupati”) representa uma das primeiras e mais influentes tradições śaiva do subcontinente indiano. Situados em um ponto de confluência entre os Vedas (वेद, veda, “conhecimento”), as correntes śramaṇa (श्रवण, śramaṇa, “buscadores pela disciplina e austeridade”), e o desenvolvimento das tradições tântricas (तन्त्र, tantra, “teia, sistema, método”), os Pāśupata foram fundamentais para estruturar a forma como o Śaivismo se expandiu na Índia e posteriormente além dela.


Seu caráter é peculiar: ao mesmo tempo enraizado em práticas de ascetismo radical e marcado por formulações metafísicas próprias, o movimento Pāśupata dialoga com as críticas ao ritualismo védico, adota práticas típicas do universo śramaṇa e antecipa formulações que mais tarde floresceriam no campo dos tantras.


Os Pāśupatas e a Herança Védica

O termo Paśupati (पशुपति, paśupati, “senhor das criaturas”) aparece já nos Vedas como epíteto de Rudra, uma das divindades ambivalentes mais temidas e reverenciadas do período.


Nos Śatarudrīya-hymns do Yajurveda, Rudra é chamado de Paśupati, o que indica uma deidade associada ao controle da vida animal e humana, bem como ao poder da morte.


Diferentemente das formas bramânicas que enfatizavam o ṛta (ऋत, ṛta, “ordem cósmica”) e a preservação ritual, os Pāśupata transformaram o culto a Paśupati em um caminho ascético. Para eles, a libertação não viria da correta execução dos sacrifícios, mas da rendição total ao Senhor Rudra-Śiva, compreendido como o poder supremo que transcende o ciclo do saṃsāra (संसार, saṃsāra, “renascimento, transmigração”).


O Contexto Śramaṇa

O ambiente em que o movimento Pāśupata floresceu era marcado por intensos debates com escolas śramaṇicas, como os āstika (आस्तिक, āstika, “afirmadores da autoridade védica”) e os nāstika (नास्तिक, nāstika, “negadores da autoridade védica”) — o budismo, o jainismo, os ājñānas e os cārvākas, entre outros.


Os Pāśupatas absorveram a ênfase śramaṇa na renúncia, no ascetismo e na disciplina corporal, mas ressignificaram esses elementos em chave teísta: a libertação não se dá pela mera extinção do desejo (como no budismo) nem apenas pela austeridade (como em certos jainas), mas pela união devocional e ontológica com Śiva (शिव, śiva, “o auspicioso”).


Suas práticas envolviam não apenas austeridades físicas, mas também exercícios considerados provocativos ou até antinomianos: permanecer em cemitérios, comportar-se de maneira excêntrica em espaços sociais, ou assumir condutas que desafiavam as normas. Esses gestos tinham como objetivo transcender a lógica social e alcançar a graça de Paśupati.


Pāśupata e os Tantras

A ponte entre os Pāśupatas e o universo tântrico é evidente. O tantra (तन्त्र, tantra), entendido como sistema ritual e gnóstico que busca a experiência direta do sagrado através do corpo e da energia, encontra nos Pāśupata precursores fundamentais.


O ideal de acessar poderes (siddhi, सिद्धि) por meio de práticas corporais, sonoras e meditativas já se manifestava entre os Pāśupata. Ainda que não utilizassem o termo “tantra” em sua acepção posterior, seus métodos influenciaram diretamente tradições śaiva-tântricas, como os Kāpālika (कापालिक, kāpālika, “os portadores de caveira”), e mais tarde os Kaula (कौल, kaula) e Trika (त्रिक, trika).


Enquanto o vedismo se organizava em torno da preservação do cosmos por meio do sacrifício e os śramaṇas buscavam a libertação pela disciplina interior, os Pāśupatas articularam um terceiro eixo: um caminho de devoção radical a Rudra-Śiva, que se manifestaria posteriormente como uma das colunas do Śaivismo tântrico.


Filosofia Pāśupata

O sistema filosófico dos Pāśupata é registrado nos Pāśupata-sūtra (पाशुपतसूत्र, pāśupata-sūtra) com o comentário de Kauṇḍinya (séculos IV–V d.C.). Entre seus pontos principais:


  1. Deus como causa suprema: Śiva é a causa eficiente do universo, distinto tanto da matéria quanto das almas.

  2. Libertação (mokṣa, मोक्ष): obtida pela destruição do sofrimento e pela graça divina, não apenas pela ação humana.

  3. Práticas (vidhi, विधि): incluem mantras, meditações e condutas ascéticas.

  4. Ascese e conduta social: romper as expectativas sociais era também parte do método de dissolução do ego.


Assim, a escola Pāśupata estabeleceu uma teologia e uma prática que se colocavam como alternativa tanto ao ritualismo védico quanto às cosmologias śramaṇicas rivais.


Conclusão

Os Pāśupata são uma ponte entre mundos: do Rudra védico ao Śiva tântrico, do sacrifício ritual à austeridade radical, da ordem bramânica ao desafio śramaṇico.


Seu legado é duplo:


Filosófico, ao sistematizar uma doutrina devocional e ascética em torno de Śiva;


Prático, ao antecipar elementos rituais e simbólicos que se tornariam a base do Śaivismo tântrico medieval.


Ao compreender os Pāśupata no contexto dos Vedas, dos Śramaṇas e dos Tantras, percebemos que essa tradição não foi marginal, mas constitutiva do pluralismo espiritual indiano. A sua herança ecoa na mística, na filosofia e na prática ritual até os dias de hoje.


Bibliografia


  • Lorenzen, David. The Kāpālikas and Kālāmukhas: Two Lost Śaivite Sects. University of California Press, 1972.

  • Sanderson, Alexis. “Śaivism and the Tantric Traditions.” In: The World’s Religions, ed. S. Sutherland. Routledge, 1988.

  • Flood, Gavin. An Introduction to Hinduism. Cambridge University Press, 1996.

  • Dasgupta, Surendranath. A History of Indian Philosophy. Vol. V. Cambridge University Press, 1940.

  • Bisschop, Peter. Early Śaivism and the Pāśupata Movement: The Mahābhārata, the Pāśupata Sūtras and Kauṇḍinya’s Commentary. Egbert Forsten, 2006.

 
 
 

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