O Jainismo no Contexto dos Śramaṇas.
- INatha

- 27 de ago.
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Abertura
O Jainismo é uma das tradições mais antigas e influentes nascidas do movimento dos Śramaṇas (श्र्मण, śramaṇa — “aquele que se esforça, praticante ascético”), movimento que emergiu na Índia antiga como uma contestação ao domínio ritualístico e social dos brâmanes.
Ao lado do budismo e de outras correntes heterodoxas, o Jainismo desenvolveu-se como um caminho espiritual independente, com princípios éticos e filosóficos originais que marcaram profundamente a história cultural, religiosa e filosófica da Índia.
Este artigo busca situar o Jainismo no contexto do universo śramaṇico, destacando suas origens, fundamentos e o diálogo crítico que manteve com o vedismo, o bramanismo e as demais tradições contemporâneas.
1. O Movimento Śramaṇa
O termo Śramaṇa (श्र्मण, śramaṇa) designa ascetas que buscavam a liberação (मोक्ष, mokṣa — “libertação”) por meio de práticas éticas, austeridades, meditação e renúncia ao mundo, muitas vezes em oposição à autoridade dos ब्राह्मण (brāhmaṇa — “brâmanes”) e ao sistema dos वेद (veda — “saberes revelados”).
Esse movimento heterodoxo, florescendo entre os séculos VII e IV a.C., deu origem a diversas tradições, como o Ajīvika (आजीविक, ājīvika — “aqueles da doutrina do destino”), o Budismo (बौद्ध, bauddha) e o Jainismo (जैन, jaina).
2. O Jainismo: Raízes e Fundamentos
O Jainismo remonta a uma tradição ascética ainda anterior a Mahāvīra (महावीर, mahāvīra — “o grande herói”), considerado o 24º Tīrthaṅkara (तीर्थङ्कर, tīrthaṅkara — “construtor de passagens espirituais”). Embora frequentemente associado ao século VI a.C., muitos estudiosos sugerem que suas raízes são muito mais antigas, vinculadas a uma corrente pré-védica e paralela ao vedismo.
Princípios Centrais do Jainismo
अहिंसा (ahiṃsā — “não violência”): fundamento ético absoluto, não apenas entre humanos, mas para todos os seres vivos.
अनेकान्तवाद (anekāntavāda — “doutrina dos múltiplos pontos de vista”): reconhecimento da pluralidade das perspectivas e da impossibilidade de apreender a verdade de modo unilateral.
अपरिग्रह (aparigraha — “não possessividade, desapego”): recusa da acumulação de bens materiais e apego mundano.
Esses princípios expressam uma crítica radical ao materialismo e ao ritualismo bramânico, propondo uma via ética de extrema responsabilidade existencial.
3. Jainismo e o Brahmanismo
O Jainismo surge em um diálogo crítico com o bramanismo. Enquanto os ब्राह्मण (brāhmaṇa) defendiam o valor dos sacrifícios (यज्ञ, yajña) e da ordem social baseada nas वर्ण (varṇa — “castas”), os जैन (jaina) rejeitavam a eficácia dos ritos e a autoridade dos Vedas.
A ênfase no esforço pessoal, no autocontrole e na purificação da alma (जीव, jīva — “ser vivo, alma individual”) representava uma ruptura com a centralidade sacerdotal, colocando o destino humano nas mãos do próprio praticante.
4. Jainismo e os Outros Śramaṇas
Diálogo com o Budismo
O Budismo (बौद्ध, bauddha) e o Jainismo compartilham raízes no ethos śramaṇico, mas divergem em pontos fundamentais. Enquanto o budismo enfatiza a vacuidade (शून्यता, śūnyatā) e o caminho do meio, o Jainismo insiste na eternidade da alma (जीव, jīva) e no rigor das austeridades ascéticas.
Diferenças com os Ajīvikas
Os Ājīvikas (आजीविक, ājīvika), contemporâneos, acreditavam em um determinismo absoluto, no qual o esforço pessoal tinha pouco valor. O Jainismo, ao contrário, sustentava que a libertação só seria possível pelo esforço consciente e pela disciplina pessoal.
5. A Via da Libertação
O objetivo central do Jainismo é a libertação (मोक्ष, mokṣa) do ciclo de renascimentos (संसार, saṃsāra), atingida pela dissolução do कर्मन् (karman — “ação”), que aprisiona a alma em sucessivos corpos.
Os meios para alcançar esse estado passam por um rigoroso caminho ascético, especialmente no caso dos monges, que seguem os Cinco Grandes Votos (महाव्रत, mahāvrata):
अहिंसा (ahiṃsā) – não violência.
सत्य (satya) – veracidade.
अस्तेय (asteya) – não roubar.
ब्रह्मचर्य (brahmacarya) – castidade.
अपरिग्रह (aparigraha) – desapego.
Esses votos, no contexto śramaṇico, são talvez a expressão mais radical da ética do não apego e da disciplina espiritual.
Conclusão
O Jainismo é uma das expressões mais radicais e consistentes do movimento Śramaṇa (श्र्मण, śramaṇa). Ao enfatizar a não violência, a multiplicidade de perspectivas e o desapego, construiu uma tradição espiritual que atravessou séculos e ainda hoje se mantém viva, especialmente entre as comunidades jainas da Índia.
Como parte do universo śramaṇico, o Jainismo testemunha o poder criativo das correntes que se levantaram contra a ordem bramânica, oferecendo à humanidade uma via espiritual centrada no esforço pessoal, na ética universal e na libertação do sofrimento.
Bibliografia
Dundas, Paul. The Jains. Routledge, 2002.
Jaini, Padmanabh S. The Jaina Path of Purification. University of California Press, 1979.
Bronkhorst, Johannes. Greater Magadha: Studies in the Culture of Early India. Brill, 2007.
Glasenapp, Helmuth von. Der Jainismus. De Gruyter, 1925.
Olivelle, Patrick. Ascetics and Brahmins in Ancient India. Oxford University Press, 2011.


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