Os Ājīvikas (आजीविकाः — ājīvikāḥ) Determinismo e Ascetismo no Contexto dos Śramaṇas.
- INatha

- 27 de ago.
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Abertura
No vasto mosaico espiritual e filosófico da Índia antiga, floresceu entre os séculos VI e IV a.C. o movimento dos Śramaṇas (श्रमणाः — śramaṇāḥ, “ascetas errantes”), uma constelação de tradições religiosas e filosóficas que se desenvolveram em paralelo e muitas vezes em oposição ao ritualismo védico dos Brāhmaṇas (ब्राह्मणाः — brāhmaṇāḥ, “sacerdotes védicos”).
Entre esses movimentos, três ganharam maior destaque histórico: o Budismo (बौद्धधर्म — bauddhadharma), o Jainismo (जैनधर्म — jainadharma) e os menos conhecidos, porém não menos influentes, Ājīvikas (आजीविकाः — ājīvikāḥ). Fundados sob a liderança de Makkhali Gosāla (मक्खलि गोसाल — makkhalī gosāla), os Ājīvikas defenderam uma visão radicalmente determinista da existência, que os distinguiu profundamente das demais tradições śramaṇicas.
Este artigo explora a história, a filosofia e o legado dos Ājīvikas no contexto do movimento śramaṇico, destacando sua relação tanto de proximidade quanto de contraste com o Budismo e o Jainismo.
Origem e Contexto
Os Ājīvikas surgiram na mesma região e período em que floresciam os movimentos de reforma espiritual da Índia — o chamado “período śramaṇico”.
Segundo fontes budistas e jainas, seu fundador, Makkhali Gosāla, teria inicialmente convivido com Mahāvīra (महावीर — mahāvīra), o 24º Tīrthaṅkara (तीर्थङ्कर — tīrthaṅkara, “construtor de guado”) do Jainismo. Após uma ruptura, Gosāla desenvolveu sua própria doutrina, formando uma comunidade de ascetas errantes que rivalizou em prestígio com budistas e jainas, chegando a obter o apoio de reis como Aśoka (अशोक — aśoka), que lhes concedeu patronagem em determinadas regiões.
Filosofia: O Determinismo Radical dos Ājīvikas
O cerne da filosofia ājīvika estava no princípio do Niyati (नियति — niyati, “destino inexorável, necessidade”).
1. Niyati (Destino)
Para os Ājīvikas, todas as ações humanas, bem como os ciclos de nascimento e morte (saṃsāra — संसार), estavam rigidamente determinados por uma ordem cósmica inescapável.
Diferentemente do Karma (कर्म — karma, “ação”) budista e jaina, entendido como força moral que condiciona as reencarnações, para os Ājīvikas o karma não possuía eficácia causal.
Nada poderia alterar o destino previamente traçado. Assim, o livre-arbítrio (svatantratā — स्वतन्त्रता) era uma ilusão.
2. Ascetismo e Prática
Apesar de sua doutrina determinista, os Ājīvikas eram conhecidos por seu rigor ascético.
Muitos deles praticavam nudismo ritual (digambara — दिगम्बर, “vestidos pelo espaço”), semelhante a certas seitas jainas.
Realizavam jejuns prolongados e meditavam em silêncio por longos períodos.
Sua vida errante e austera visava alinhar-se com o ritmo inexorável do universo, mesmo sem a crença em mérito espiritual acumulado.
3. Cosmologia
Relatos preservados em textos budistas e jainas descrevem que os Ājīvikas sustentavam visões cosmológicas extremamente detalhadas, incluindo ciclos cósmicos fixos, números enormes de renascimentos predestinados e a inevitabilidade da libertação (mokṣa — मोक्ष), alcançada não por esforço, mas quando o destino se cumprisse.
Relações com Outras Tradições Śramaṇicas
Com o Jainismo
A relação dos Ājīvikas com os jainas foi ambivalente:
Proximidade inicial entre Gosāla e Mahāvīra.
Divergência sobre o papel do esforço e do karma.
Os jainas criticaram os Ājīvikas por negarem a responsabilidade moral das ações.
Com o Budismo
Os budistas consideravam a doutrina ājīvika perigosa porque negava a eficácia do esforço ético (vīrya — वीर्य) e do caminho óctuplo (āryāṣṭāṅgamārga — आर्याष्टाङ्गमार्ग).
Nos textos do Dīgha Nikāya, o próprio Buda teria rejeitado a posição de Makkhali Gosāla como uma visão nihlilista (ucchedavāda — उच्छेदवाद) ou fatalista.
Declínio e Legado
Apesar de sua força nos primeiros séculos, os Ājīvikas começaram a declinar a partir do século III d.C., sendo gradualmente absorvidos pelo Jainismo e pelo Hinduísmo (सनातन धर्म — sanātana dharma).
Sua presença foi notável no sul da Índia, especialmente no Tamil Nadu, onde inscrições mencionam comunidades ājīvikas até o século XIV.
No entanto, sua tradição escrita perdeu-se quase por completo, restando apenas fragmentos preservados em textos budistas e jainas.
Hoje, os Ājīvikas sobrevivem apenas como uma memória histórica, mas sua visão determinista continua sendo objeto de reflexão no campo da filosofia indiana comparada.
Conclusão
O movimento dos Ājīvikas representa um dos capítulos mais intrigantes da história espiritual da Índia. Enquanto o Budismo e o Jainismo floresceram enfatizando o esforço consciente, os Ājīvikas sustentaram que a vida humana é regida por forças inevitáveis.
Essa posição extrema — o destino absoluto (niyati) — nos obriga a refletir sobre a natureza da liberdade, da responsabilidade e do sentido da prática espiritual.
No contexto do śramaṇismo, os Ājīvikas funcionam como contraponto radical, lembrando-nos de que a Índia antiga foi um verdadeiro laboratório filosófico onde todas as possibilidades — do ascetismo voluntarista ao fatalismo rigoroso — foram exploradas.
Bibliografia
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Gombrich, Richard. Theravāda Buddhism: A Social History from Ancient Benares to Modern Colombo. Routledge, 1988.
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