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O Budismo no Contexto dos Śramaṇas (श्रवण).

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 27 de ago.
  • 3 min de leitura

Abertura

O florescimento do Budismo (बौद्ध धर्म, Bauddha Dharma, “Doutrina dos Despertos”) no norte da Índia, entre os séculos VI e V a.C., não pode ser compreendido fora do vasto movimento de renúncia, crítica e experimentação espiritual que se consolidou sob a designação de Śramaṇa (श्रवण, Śramaṇa, “aquele que se esforça, praticante ascético”).


Este artigo busca situar o Budismo dentro da constelação de tradições śramaṇicas, destacando suas convergências e rupturas em relação à ordem bramânica (ब्राह्मण, Brāhmaṇa), além de delinear sua relevância no processo histórico de transformação religiosa, cultural e filosófica no sul da Ásia.


O Contexto dos Śramaṇas

O termo Śramaṇa (श्रवण) deriva da raiz sânscrita śram (श्रम्), que significa “esforçar-se”, “fazer esforço árduo”. Originalmente, designava os praticantes que abandonavam o lar para se dedicar à vida de austeridade, contemplação e busca da libertação (mokṣa, मोक्ष).


Esse movimento, que ganha força sobretudo a partir do século VIII a.C., constitui um polo alternativo à tradição vaidika (वैदिक, Vaidika, “relativa ao Veda”), organizada em torno dos rituais de fogo (yajña, यज्ञ) e da hierarquia dos brāhmaṇas (ब्राह्मण).


Características dos Śramaṇas

  1. Renúncia da vida doméstica (pravrajyā, प्रव्रज्या – “partida para fora do lar”);

  2. Austeridade física e mental (tapas, तपस् – “calor, disciplina”);

  3. Crítica à autoridade védica e rejeição ao monopólio ritual dos brâmanes;

  4. Busca pela liberação (mokṣa, मोक्ष) como finalidade última da existência;

  5. Desenvolvimento de novas cosmologias e doutrinas sobre alma (ātman, आत्मन्), karma (कर्म) e renascimento (saṃsāra, संसार).


Dentro desse ambiente floresceram múltiplas correntes: Jainismo (Jaina Dharma), Ājīvikas (Ājīvika), materialistas Cārvākas (Cārvāka), entre outras. O Budismo se insere nesse quadro como uma resposta própria e inovadora.


O Nascimento do Budismo no Horizonte Śramaṇico

O Buda (बुद्ध, Buddha, “o Desperto”) – Siddhārtha Gautama – nasceu no século VI a.C. em Kapilavastu. Sua trajetória ilustra de modo exemplar o ethos śramaṇico: renúncia, peregrinação, diálogo intertradicional e busca de uma via de libertação.


Convergências com o Śramaṇa

  • A prática da renúncia (pravrajyā), deixando para trás a vida principesca;

  • A centralidade da meditação (dhyāna, ध्यान);

  • A concepção de saṃsāra (संसार – ciclo de renascimentos) como sofrimento e prisão;

  • A busca por um estado de libertação (nirvāṇa, निर्वाण – “extinção, apagamento”).


Rupturas e Originalidade

O Budismo, no entanto, rompe com aspectos centrais das correntes śramaṇicas de sua época:


  1. Rejeição do ātman (alma permanente) – formulando a doutrina do anātman (अनात्मन्, “não-eu”);

  2. Ênfase na via do meio (madhyamā pratipad, मध्यमा प्रतिपद्), evitando os extremos de ascetismo severo e indulgência sensual;

  3. Criação de uma comunidade monástica organizada (saṅgha, संघ), que estruturou uma nova forma de sociabilidade espiritual;

  4. Desenvolvimento de um caminho sistemático de prática – as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo.


O Budismo e a Sociedade Brâmane

Ao mesmo tempo em que se afasta da tradição védica, o Budismo dialoga intensamente com o universo brâmane. Termos como dharma (धर्म, “lei cósmica, ensino”), karma (कर्म, “ação e suas consequências”) e saṃsāra (संसार, “ciclo de renascimentos”) já circulavam nos debates filosófico-religiosos e foram reelaborados em chave própria.


O surgimento do Budismo, junto com o Jainismo e outras correntes śramaṇicas, representou um processo de democratização do acesso à via espiritual: ao invés do monopólio do ritual e da herança de nascimento, o caminho para a libertação era acessível a todos – homens e mulheres, reis e camponeses, monges e leigos.


Difusão e Transformação

Do norte da Índia, o Budismo expandiu-se para o Sri Lanka, Ásia Central, Sudeste Asiático, China, Coreia, Japão e Tibete. Em cada contexto, manteve sua raiz śramaṇica de crítica, disciplina e busca da libertação, mas também se transformou em tradição filosófica, ética e cultural de alcance global.


A marca śramaṇica permaneceu no ideal monástico e na recusa de absolutizar qualquer ritual ou dogma, enfatizando sempre a prática, o esforço e a consciência.


Conclusão

O Budismo, enquanto tradição śramaṇica, expressa a potência criativa das margens da sociedade védica. Ele emerge como um projeto espiritual que, ao mesmo tempo, herda e supera os caminhos de renúncia anteriores, formulando uma via de libertação que atravessou milênios.


Compreender o Budismo nesse horizonte significa reconhecer que sua originalidade não se reduz ao gênio de seu fundador, mas faz parte de um vasto movimento de transformação que redefiniu os rumos da religião e da filosofia na Índia e além.


Bibliografia


  • Bronkhorst, Johannes. Greater Magadha: Studies in the Culture of Early India. Brill, 2007.

  • Gombrich, Richard. What the Buddha Thought. Routledge, 2009.

  • Olivelle, Patrick. The Āśrama System: The History and Hermeneutics of a Religious Institution. Oxford University Press, 1993.

  • Thapar, Romila. Śramaṇas and Renunciation in Early India. In: Cultural Pasts: Essays in Early Indian History. Oxford, 2000.

  • Wynne, Alexander. The Origin of Buddhist Meditation. Routledge, 2007.

 
 
 

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