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Maulika Vinyāsakrama: o Elemento Terra e o Mulādhāra Cakra.

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 23 de ago.
  • 4 min de leitura

O Maulika Vinyāsakrama ocupa um lugar fundamental no seio do Método INatha, porque corresponde à base, à raiz e ao alicerce sobre o qual todas as outras séries de vinyāsakramas se assentam.


O termo maulika (मौलिक, do sânscrito mūla, raiz, fundamento, e do sufixo -ika, pertencente a) já indica a sua vocação de retornar o praticante ao que é essencial, estável e originário.


Essa dimensão de enraizamento é perfeitamente coerente com sua associação ao tattva da Terra (pṛthvī-tattva, पृथ्वी तत्त्व) e ao Mulādhāra Cakra (मूलाधार चक्र), o centro energético localizado na base da coluna, considerado na tradição do Haṭha-Yoga e do Tantra como o suporte da kuṇḍalinī-śakti.


1. Etimologia e Filosofia do Enraizamento


  • Maulika (मौलिक):

    Deriva de mūla (raiz, fundamento, base, origem) + -ika (aquilo que pertence a, relativo a). Portanto, significa “aquilo que é essencial, primordial, original, autêntico”.


  • Mulādhāra (मूलाधार):

    Composto de mūla (raiz) e ādhāra (suporte, base), literalmente “suporte da raiz”.

Na filosofia iogue e tântrica, mūla não é apenas um ponto físico ou energético, mas o princípio originário de sustentação da existência encarnada. Tudo o que se manifesta no corpo, na respiração e na mente repousa sobre esta base energética invisível.


O Maulika Vinyāsakrama, portanto, não é apenas um início metodológico, mas a pedagogia prática do retorno à raiz (mūla), integrando o corpo físico e o corpo sutil para criar a fundação sobre a qual as demais experiências yogues poderão desabrochar.


2. O Elemento Terra (Pṛthvī-Tattva) e suas Qualidades

No sistema do Sāṃkhya e do Tantra, os cinco grandes elementos (pañca-mahābhūta) estruturam a manifestação. A terra (pṛthvī) é o mais denso e concreto deles, caracterizando-se pelas seguintes qualidades (guṇas):


  • Gandha (गन्ध) – o cheiro: a terra é o único elemento plenamente dotado de cheiro próprio.

  • Sthūlatā (स्थूलता) – densidade, solidez: garante a experiência da forma, do peso, da resistência.

  • Sthairya (स्थैर्य) – estabilidade, permanência: o princípio que confere sustentação e base para os outros elementos.

  • Āvaraṇa (आवरण) – cobertura, limite: aquilo que contém, delimita e protege.


No organismo humano, a terra manifesta-se no sistema ósseo, nos músculos, nos tecidos de sustentação, assim como na estabilidade psíquica.


No Maulika Vinyāsakrama, todas as técnicas, posturas e respirações devem dialogar com essa qualidade de enraizamento, densidade e sustentação. Ele serve de “chão ontológico” e metodológico para o progresso.


3. Mulādhāra Cakra e sua Cosmologia

O Mulādhāra Cakra, descrito nas Śaṭ-Cakra-Nirūpaṇa e em várias tradições tântricas, é o ponto de ancoragem da consciência no corpo físico.


  • Localização: base da coluna, na região do períneo.

  • Símbolo: um lótus de quatro pétalas vermelhas.

  • Bīja-mantra: LAM (लं), semente sonora do elemento terra.

  • Deidade: Gaṇeśa como guardião da porta do cakra; Brahmā associado ao elemento terra.

  • Animal simbólico: elefante, que representa força, firmeza e estabilidade.

  • Energia latente: é o assento da kuṇḍalinī-śakti, que repousa enroscada em três voltas e meia em torno do liṅga de luz (svayambhū-liṅga).


Psicologicamente, Mulādhāra rege os instintos de sobrevivência, segurança, confiança básica no ser e no existir. Filosoficamente, é o ponto de partida da jornada da consciência encarnada, a raiz a partir da qual o sādhaka busca ascender.


4. O Maulika Vinyāsakrama como Prática do Enraizamento


a) Dimensão corporal (sthūla-śarīra):

As sequências enfatizam posturas de apoio firme (como tāḍāsana, bhūmipādāsana, vīrabhadrāsana) e movimentos que reforçam a relação com o chão. O contato consciente com a base dos pés, a força das pernas e o alinhamento da coluna são veículos para despertar a percepção do elemento terra.


b) Dimensão respiratória (prāṇamaya):

Respirações profundas, estáveis e ritmadas cultivam prāṇa na sua forma mais densa, conectando o praticante ao ritmo telúrico. Práticas como mūla-bandha e apāna-vāyu sādhanā trabalham a fixação da energia vital na base.


c) Dimensão mental e meditativa (manomaya):

A atenção é conduzida ao suporte, à base e ao corpo como morada. O praticante aprende a sentir segurança no simples fato de estar assentado, enraizado, consciente da relação de seu corpo com a terra.


d) Dimensão espiritual (ānandamaya):

O Maulika Vinyāsakrama desperta a confiança primordial (viśvāsa) e a sensação de que o próprio universo é um suporte. Filosoficamente, é a prática da não-fragmentação, pois aquele que retorna à raiz reconhece que toda a árvore do ser depende dessa fundação.


5. Diálogo com as Tradições Védicas e Tântricas


  • Nos Vedas: a terra (pṛthvī) é invocada como a “mãe nutridora” (pṛthvī mātā), fundamento da vida e das oferendas sacrificiais.

  • Nos Upaniṣads: a terra é a primeira manifestação do ser, suporte do corpo grosseiro e da experiência sensorial.

  • No Tantra: Mulādhāra é a ādhāra-cakra, o ponto de sustentação onde a kuṇḍalinī dorme, e sem cuja ativação não há ascensão espiritual.

  • No Haṭha-Yoga: é a região trabalhada por mūla-bandha e práticas que buscam despertar a energia latente.


Assim, o Maulika Vinyāsakrama se insere como um rito de fundação dentro da pedagogia iogue: retornar sempre ao chão, ao suporte, ao que é essencial, antes de ascender ao sutil.


6. Síntese Filosófico-Prática

O Maulika Vinyāsakrama, em sua ligação com o tattva da Terra e com o Mulādhāra Cakra, é a expressão prática do axioma tântrico:


“Não há elevação sem raiz, não há transcendência sem base.”


Ele não é apenas o início pedagógico, mas o fundamento ontológico de toda a jornada:


  • A Terra fornece a densidade e a estabilidade.

  • O Mulādhāra confere a segurança psíquica e energética.

  • O Maulika Vinyāsakrama cultiva no praticante os fundamentos e estado de confiança e enraizamento sem o qual não há ascensão verdadeira.


Assim, o método é o retorno consciente ao chão do ser, o gesto pedagógico que recorda que todo voo espiritual começa pelo reconhecimento humilde e devocional da raiz.

 
 
 

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