Auto-iniciação, Ādinātha e Śaktí Pāta no Método INatha
- INatha

- 24 de ago.
- 7 min de leitura
Introdução
O Método INatha propõe uma visão expandida e contemporânea da tradição do yoga, centrada na auto-iniciação. Nessa concepção, a verdadeira iniciação não é apenas um rito formal, mas a capacidade do praticante de se tornar receptivo à Śaktí Pāta (शक्तिपात, śaktipāta) — a descida da energia e da consciência que desperta a percepção direta do Ser.
A linha central do método é que Ādinātha (आदिनाथ, Ādinātha), o Senhor Primordial, é o iniciador de todos os yogis. Isto significa que, para além das linhagens históricas, toda iniciação, direta ou indireta, ocorre pela presença viva de Ādinātha, reconhecido simultaneamente dentro de Spanda, como pulsação da liberação, e fora de Spanda, como princípio da Unificação.
Ādinātha como iniciador eterno
O título Ādinātha significa literalmente “Mestre Original” ou “Senhor Primordial”. Na tradição Nātha, ele é identificado com Śiva, o Mahāyogi que revelou tanto o caminho do conhecimento quanto as práticas ascéticas e yogues.
Afirmações contemporâneas de que Ādinātha é o iniciador eterno são coerentes com a tradição, pois:
Todo iniciador humano é apenas um canal da presença eterna do Mestre Primordial.
Mesmo a auto-iniciação — quando o praticante desperta sozinho na contemplação — é, na essência, a manifestação do antar-guru, o guru interno, que é expressão viva de Ādinātha.
Portanto, reivindicar Ādinātha como iniciador nos estágios do INatha não é apropriação, mas reconhecimento da origem universal e atemporal de toda transmissão yogue.
A pedagogia iniciática do Método INatha
O Método INatha organiza a iniciação em três níveis progressivos, correspondentes aos Purvakramas:
Pañcha Purvakrama (पञ्च पूर्वक्रम, 5) – Movimento/Pausa: iniciação ao conhecido.
O praticante reconhece a dualidade rítmica da experiência: expansão/recolhimento, ação/repouso, vibração/quietude. Esta etapa afina o corpo e a atenção para perceber o fluxo pulsante da realidade.
Nava Purvakrama (नव पूर्वक्रम, 9) – Som e Silêncio: iniciação ao intuído.
Aqui a percepção se desloca para os níveis mais sutis da mente e da linguagem. O som manifesta a vibração do ser, e o silêncio revela o vazio que sustenta toda manifestação. Este estágio abre a sensibilidade à intuição refinada, preparando o terreno para a verdadeira recepção da graça.
Ekadāsha Purvakrama (एकादश पूर्वक्रम, 11) – Silêncio Transcendental e Ser: iniciação ao desconhecido.
O praticante atinge a percepção da unidade, onde o silêncio não é mera ausência de som, mas a revelação do Ser absoluto. É a condição de receptividade adequada para a descida de Śaktí Pāta.
As duas primeiras iniciações são preparatórias: criam disponibilidade no corpo, na mente e na percepção para que a terceira iniciação se manifeste plenamente. Toda a estrutura pedagógica do método é, portanto, uma preparação para a recepção da verdadeira iniciação, que vem da graça de Ādinātha.
Śaktí Pāta e a função da auto-iniciação
A verdadeira iniciação no INatha é a recepção de Śaktí Pāta, não produzida pelo esforço humano, mas oferecida pela energia viva de Ādinātha.
O método atua como indutor dessa experiência, removendo obstáculos, refinando a sensibilidade e preparando o praticante para que ele se torne um recipiente adequado para a graça.
A auto-iniciação é central nesse processo: desde a primeira semana de práticas, o praticante é exposto simultaneamente à potencialidade dos três níveis de sutileza da realidade, podendo perceber, conforme sua capacidade, o movimento/pausa, som/silêncio ou silêncio transcendental/Ser.
A máxima "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece" encontra aqui seu pleno sentido: o praticante desperta sua própria capacidade de perceber o influxo de Ādinātha.
Invocação a Ādinātha
Dentro do Método INatha, iniciar e finalizar a prática com uma invocação a Ādinātha é a forma mais coerente e potente de conectar o praticante à fonte da iniciação. Isso:
Fundamenta a linhagem e o princípio do Mestre Primordial.
Consagra o espaço de prática como extensão do fluxo iniciático.
Coloca o praticante em posição de receptividade para a descida da Śaktí Pāta.
Evita dispersão devocional, centralizando a prática em um único arquétipo de mestre.
Ritualiza a prática como auto-iniciação contínua.
Conclusão
O Método INatha articula tradição e contemporaneidade, técnica e espiritualidade, preparando o praticante para a recepção da graça primordial.
Purvakramas 5 e 9: afinação da percepção e abertura para a intuição.
Purvakrama 11: silêncio transcendental e Ser, receptividade à Śaktí Pāta.
Ādinātha: iniciador eterno, fonte de toda iniciação.
Auto-iniciação: reconhecimento da presença de Ādinātha no interior do praticante, manifestação da linhagem invisível universal.
Todo o sistema, portanto, é um caminho de preparação, sensibilidade e percepção, que culmina na descida da energia divina, revelando o verdadeiro núcleo da iniciação.
Invocação a Ādinātha (texto-base)
Devanāgarī
ॐ आदिनाथाय नमः ।अनन्तशक्तिपातप्रवाहिणे,शून्यतत्त्वस्वरूपाय,योगमार्गदीक्षाकर्त्रे,करुणारससिन्धवे,मम चित्तं शुद्धं कुरु,मम हृदयं तेजोमयं कुरु,मम आत्मानं स्वात्मन्येव लीनं कुरु ।ॐ आदिनाथाय नमः ॥
Nota ortográfica: em “प्रवाहिणे (pravāhiṇe)” a longa ā é importante: pravāha = “fluxo/curso”. (Algumas transcrições podem omitir a marca longa; aqui usamos a forma correta.)
IAST
oṁ ādināthāya namaḥ
ananta-śaktipāta-pravāhiṇe,
śūnya-tattva-svarūpāya,
yoga-mārga-dīkṣā-kartre,
karuṇā-rasa-sindhave,
mama cittaṁ śuddhaṁ kuru,
mama hṛdayaṁ tejo-mayaṁ kuru,
mama ātmānaṁ svātmany eva līnaṁ kuru
oṁ ādināthāya namaḥ
Tradução devocional
Om, reverência a Ādinātha!
A Ti, fluxo infinito de Śaktipāta;
cuja natureza é o Tattva do Vazio;
Iniciador no Caminho do Yoga;
Oceano do néctar da compaixão.
Torna pura a minha mente;
faz do meu coração um sol de esplendor;
e dissolve meu eu no Teu próprio Ser.
Om, reverência a Ādinātha!
Comentário palavra por palavra (glossa e gramática)
1) Abertura e selo
ॐ / oṁ — praṇava, a sílaba sagrada; invoca e consagra o espaço da prática.
आदिनाथाय / ādināthāya — dativo singular de Ādinātha (ādi “primeiro, primordial” + nātha “senhor, mestre”): “a/para Ādinātha”.
नमः / namaḥ — indeclinável: “reverência, prostração a…”.
Construção clássica: X-āya namaḥ = “reverência a X”. Todo o bloco de epítetos seguintes mantém o dativo, concordando com namaḥ (uso tradicional em mantras). (Repetido no final como selo/fecho auspicioso.)
2) Sequência de epítetos (todos em dativo, concordando com namaḥ)
अनन्तशक्तिपातप्रवाहिणे / ananta-śaktipāta-pravāhiṇe
ananta — “infinito, sem fim”.
śaktipāta — śakti (poder/energia) + pāta (queda/descida) → “descida da energia (graça)”.
pravāhin — adjetivo/substantivo em -in: “aquele que faz fluir / que verte”.
pravāhiṇe — dativo singular (“a/para o que verte”).
Composto: tatpuruṣa-karmadhāraya (“fluxo infinito de śaktipāta” → “ao que verte o fluxo infinito de śaktipāta”).
शून्यतत्त्वस्वरूपाय / śūnya-tattva-svarūpāya
śūnya — “vazio” (aqui: vacuidade plena, śūnyatā).
tattva — “princípio, essência, fundamento”.
svarūpa — “própria forma / natureza intrínseca”.
svarūpāya — dativo singular: “àquele cuja natureza é…”.
Composto: tatpuruṣa (“[cuja] natureza é o princípio do Vazio”).
योगमार्गदीक्षाकर्त्रे / yoga-mārga-dīkṣā-kartre
yoga — “união, integração”.
mārga — “caminho, via”.
dīkṣā — “iniciação, consagração” (lit. “ver/colocar dentro”, infundindo visão/energia).
kartṛ — “agente, realizador”.
kartre — dativo singular: “ao que realiza”.
Composto: tatpuruṣa (“ao realizador da iniciação no caminho do yoga”).
करुणारससिन्धवे / karuṇā-rasa-sindhave
karuṇā — “compaixão”.
rasa — “sabor, essência, néctar (místico)”.
sindhu — “oceano”.
sindhave — dativo singular de tema em -u: “ao oceano”.
Composto: genitivo-tatpuruṣa (“ao oceano do néctar da compaixão”).
Observação sintática: Esses quatro epítetos estão em aposto a Ādināthāya e mantêm o dativo por atração de namaḥ. É uma construção consagrada em invocações: “reverência a X, [o que é…], [o que é…]”.
3) A tríplice prece (imperativos; núcleo operativo)
मम चित्तं शुद्धं कुरु / mama cittaṁ śuddhaṁ kuru
mama — “meu/minha” (genitivo de 1ª pessoa).
cittaṁ — “mente (campo cognitivo/afetivo)” (acusativo singular, neutro).
śuddhaṁ — “puro, purificado” (adj., acusativo singular, neutro, concorda com cittaṁ).
kuru — imperativo 2ª sg. de √kṛ “fazer”: “faz, torna”.
→ “Torna pura a minha mente.”
मम हृदयं तेजोमयं कुरु / mama hṛdayaṁ tejo-mayaṁ kuru
hṛdayaṁ — “coração” (neutro, acusativo sg.).
tejo-mayaṁ — “composto/cheio de tejas (luz, fulgor, potência)” (-maya = “feito de/impregnado de”).
kuru — “faz, torna”.
→ “Faz do meu coração um corpo de luz (um coração luminoso).”
मम आत्मानं स्वात्मन्येव लीनं कुरु / mama ātmānaṁ svātmany eva līnaṁ kuru
ātmānaṁ — acusativo sg. de ātman (“si-mesmo, eu profundo”).
svātmany — locativo sg. de svātman (“no Teu próprio Ser” — sva é reflexivo ao sujeito, aqui Ādinātha).
eva — partícula enfática: “apenas, precisamente, de fato”.
līnaṁ — “dissolvido, absorto” (particípio passado de √lī “dissolver-se”).
kuru — “faz, torna”.
→ “Faz o meu eu dissolver-se apenas no Teu próprio Ser.”
Observação tradicional:
A tríplice súplica progride do mental (citta) → afetivo/psíquico (hṛdaya) → ontológico (ātman). É um gesto clássico de prārthanā (prece) com três verbos no imperativo (kuru, kuru, kuru), ecoando o ritmo tripartido de muitas estotras e o “trika” (três passos ao centro).
Por que essa estrutura é “tradicional”?
Āhvāna (chamado) + Namaḥ (prostração dativa)
oṁ ādināthāya namaḥ estabelece quem é invocado e a postura devocional. O dativo com namaḥ é a fórmula pan-índica de reverência.
Guṇa-kīrtana (louvor de atributos)
Os quatro epítetos em dativo (ananta-śaktipāta-pravāhiṇe… sindhave) nomeiam qualidades do princípio invocado: fonte da graça, natureza de śūnya-tattva, iniciador, oceano de compaixão.
Isso ancora a invocação teologicamente: dizemos por que esse princípio é digno de ser invocado.
Prārthanā (pedido)
A tríplice fórmula com kuru é sucinta, direta e transformativa: purificar mente, inflamar o coração, dissolver o eu no Ser.
O encadeamento espelha a pedagogia interna das camadas de sutileza (do denso ao sutilíssimo).
Bhadra-anta (fecho auspicioso)
Repetir oṁ ādināthāya namaḥ sela a invocação: abre-se com o Nome, age-se no meio com louvor e pedido, fecha-se retornando ao Nome (ciclo completo).
Tipologia dos compostos (samāsa) usados
ananta-śaktipāta-pravāhiṇe — composto complexo: karmadhāraya (“śaktipāta” qualificado por “ananta”) + sufixo agentivo -in (pravāhin) no dativo.
śūnya-tattva-svarūpāya — tatpuruṣa determinativo: “aquele cuja natureza é o ‘tattva’ do ‘śūnya’”.
yoga-mārga-dīkṣā-kartre — tatpuruṣa: “agente da iniciação do caminho do yoga”.
karuṇā-rasa-sindhave — ṣaṣṭhī-tatpuruṣa (genitivo implícito): “oceano do néctar da compaixão”.
Observações de transliteração e pronúncia (IAST)
Ā/ā, Ī/ī, Ū/ū marcadas com macron = vogais longas (tempo duplo).
Ṛ/ṛ (vocálico), Ṅ/ṅ, Ñ/ñ, Ṇ/ṇ (nasais), Ś/ś, Ṣ/ṣ (sibilantes), Ḍ/ḍ, Ṭ/ṭ (retroflexas) mantêm distinções fonêmicas importantes.
Exemplos: ādināthāya (vogais longas), śaktipāta (ś), pravāhiṇe (ā longa; ṇ retroflexo), svātmany (sandhi de sva + ātmani → svātmani).
Contexto espiritual de cada epíteto
ananta-śaktipāta-pravāhiṇe — ancora a invocação no coração do sistema INatha: toda verdadeira iniciação é śaktipāta (graça), e Ādinātha é a fonte que verte sem cessar.
śūnya-tattva-svarūpāya — alinha a invocação ao silêncio transcendental (śūnyatā) entendido como plenitude, não carência; ecoa a doutrina do vazio/pleno.
yoga-mārga-dīkṣā-kartre — reconhece Ādinātha como iniciador arquetípico, legitimando a auto-iniciação como recepção direta da sua presença.
karuṇā-rasa-sindhave — assegura a qualidade compassiva do influxo: a graça não violenta, amadurece.
Coerência com a pedagogia INatha
A tríade de pedidos (citta → hṛdaya → ātmān) dialoga com seu Trayakrama (do denso ao sutilíssimo) e com as três iniciações (Pañca, Nava, Ekādaśa).
Repetir a invocação no início (chamado e consagração) e no fim (selo e entrega) transforma cada prática em ato iniciático — preparando para perceber/receber Śaktipāta.


Comentários