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O Surgimento do Chandra Namaskāra Moderno.

  • Foto do escritor: INatha
    INatha
  • 27 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 31 de ago.


1. Contexto histórico e cultural

Enquanto o Sūrya Namaskāra (saudação ao Sol) já tinha sido incorporado como prática estruturada no início do século XX – popularizado por mestres como Krishnamacharya, Sivananda e a tradição de hatha yoga moderna – não havia registro tradicional de uma sequência equivalente dedicada à Lua (Chandra).


O Sol, símbolo do princípio masculino, ativo, ascendente e vitalizante, foi naturalmente privilegiado em uma Índia que buscava revigorar o corpo e a disciplina nacional no período colonial e pós-colonial. A Lua, associada ao princípio feminino, à mente, às marés internas e ao ritmo cíclico, só ganhou uma formalização ritualizada na segunda metade do século XX, em um contexto de expansão do yoga como prática terapêutica e espiritual também no Ocidente.


A inovação da Bihar School of Yoga (década de 1960)

Swami Satyananda Saraswati, discípulo de Swami Sivananda e fundador da Bihar School of Yoga, foi pioneiro ao propor uma codificação do Chandra Namaskāra como contraponto complementar ao Surya Namaskāra.


  • O objetivo não era substituir a prática solar, mas criar um equilíbrio polar:

    • Surya = vitalidade, calor, clareza, energia para o dia.

    • Chandra = introspecção, frescor, receptividade, energia para a noite.


Assim, o Chandra Namaskāra nasceu como uma prática devocional moderna, sem raiz textual antiga, mas inspirada no simbolismo lunar dos Vedas, Purāṇas e da tradição tântrica.


2. Filosofia do Chandra Namaskāra


  • Princípio dual solar-lunar: O corpo sutil é atravessado por duas principais nāḍīs, iḍā (lunar, fresca, mental, receptiva) e piṅgalā (solar, quente, vital, ativa). O Chandra Namaskāra foi concebido como uma forma de fortalecer a iḍā-nāḍī, cultivando calma e equilíbrio emocional.

  • Simbolismo lunar: A Lua é associada ao soma (néctar da imortalidade), ao feminino, ao ciclo menstrual, às marés e ao inconsciente. As 14 posturas propostas por Satyananda correspondem às 14 fases lunares (tithi) da lua crescente e minguante.

  • Dimensão devocional: A prática busca não apenas o movimento físico, mas também um estado meditativo de reverência à energia feminina cósmica (śakti).

  • Temporalidade: Enquanto o Sūrya Namaskāra é recomendado no nascer do Sol, o Chandra Namaskāra é prescrito para noites de lua cheia, onde sua energia simbólica é mais palpável.


3. Estrutura e práticas nas tradições modernas


a) Chandra Namaskāra da Bihar School of Yoga (década de 1960)

  • Número de posturas: 14, em referência às fases da Lua.

  • Qualidade dos movimentos: suaves, fluidos, lentos, com ênfase em alongamentos laterais, abertura pélvica e flexões para frente.

  • Princípios da prática:

    • Respiração coordenada, profunda e consciente.

    • Condução meditativa, com visualização da Lua sobre o praticante.

    • Prática preferencialmente noturna.


  • Exemplo de sequência (variação Bihar School):


1.                  Pranamasana (postura da prece)

2.                  Hastottanasana (elevação dos braços)

3.                  Ardha Chandrasana (meia-lua lateral)

4.                  Padahastasana (flexão à frente)

5.                  Ashwa Sanchalanasana (passo do cavalo)

6.                  Ardha Chandrasana (inclinando-se para o outro lado)

7.                  Parvatasana (montanha)

8.                  Ashtanga Namaskara (saudação com oito membros)

9.                  Bhujangasana (cobra)

10.               Parvatasana (montanha)

11.               Ashwa Sanchalanasana (passo do cavalo, perna oposta)

12.               Padahastasana (flexão à frente)

13.               Ardha Chandrasana (meia-lua lateral final)

14.               Pranamasana (postura da prece)

 

b) Variações americanas (anos 1980–1990)

Com a expansão do yoga no Ocidente, especialmente nos EUA, professores ligados ao Kripalu Yoga, Integral Yoga e à vertente do Vinyasa Flow criaram adaptações do Chandra Namaskāra, muitas vezes mais coreográficas.


  • Ênfase pedagógica: a prática foi integrada a workshops de “yoga lunar”, círculos de mulheres, retiros em lua cheia e contextos terapêuticos ligados a fertilidade e saúde hormonal.

  • Aspecto ritual: muitas dessas linhagens associaram a prática a mantras lunares, cânticos devocionais à Deusa e práticas de meditação guiada sobre os ciclos da Lua.

 

Sequência de 14 Posições (linhas norte-americanas de Kripalu Yoga)

Esta versão foi difundida sobretudo no Kripalu Center (EUA) nos anos 1970–80. Ela é circular, realizada geralmente à noite, muitas vezes em sentido horário e depois anti-horário, refletindo o ciclo lunar.


Asanas (14 passos, lado direito; depois repete-se no lado esquerdo):


  1. Pranamasana – postura da prece, mãos unidas diante do peito.

  2. Urdhva Hastasana – braços erguidos, alongamento para cima.

  3. Chandrasana – flexão lateral para a direita.

  4. Chandrasana – flexão lateral para a esquerda.

  5. Padahastasana – flexão para frente.

  6. Ashwa Sanchalanasana – postura do cavaleiro com perna direita atrás.

  7. Ardha Chandrasana – variação erguendo o braço ao alto olhando a lua.

  8. Parvatasana – postura da montanha (cão-invertido).

  9. Ashtanga Namaskara – oito apoios no chão.

  10. Bhujangasana – postura da cobra.

  11. Parvatasana – retorno à montanha.

  12. Ashwa Sanchalanasana – cavaleiro, agora trazendo a perna direita à frente.

  13. Padahastasana – flexão para frente.

  14. Pranamasana – retorna à postura da prece.


→ A repetição no outro lado (com perna esquerda) completa um ciclo lunar.


2. Sequência de 28 Posições (expansão norte-americana contemporânea)

Esta é uma versão dupla da de 14, onde cada lado é feito de forma completa, sem resumir. O ciclo inteiro soma 28 fases, relacionando-se simbolicamente às 28 nakṣatras (नक्षत्र – mansões lunares).


Estrutura:

  • Mesma sequência anterior, mas em vez de “lado direito + lado esquerdo = 14”, cada lado é contado individualmente.

  • Ou seja, lado direito = 14, lado esquerdo = 14 → total 28 posições.


→ Essa inovação foi pensada para vincular o Chandra Namaskāra diretamente ao calendário lunar e às tradições astrológicas indianas.


3. Variações com 27 posições (inovações recentes, principalmente no Brasil e EUA)

Alguns mestres modernos quiseram ajustar à tradição védica dos 27 nakṣatras, deixando de fora o 28º (Abhijit नक्षत्र, considerado opcional).


Características:

  • Sequência circular que pode ser feita em mandala (girando no espaço).

  • Inclui variações de abertura lateral (ângulos de 90º e 45º), evocando a geometria das fases lunares.

  • Algumas linhas incluem posturas adicionais para equilibrar o número, como Utthita Trikonasana (triângulo estendido) ou Ardha Chandrasana (meia lua) para marcar simbolicamente certas fases.

 

Exemplo de progressão (27 passos):


  1. Pranamasana – saudação inicial.

  2. Urdhva Hastasana – braços elevados.

  3. Chandrasana (lado direito).

  4. Chandrasana (lado esquerdo).

  5. Padahastasana.

  6. Ardha Chandrasana (meia lua, perna direita atrás).

  7. Ashwa Sanchalanasana (cavaleiro).

  8. Parvatasana.

  9. Ashtanga Namaskara.

  10. Bhujangasana.

  11. Parvatasana.

  12. Ashwa Sanchalanasana (perna direita frente).

  13. Padahastasana.

  14. Utkatasana (postura da cadeira).

  15. Pranamasana.

  16. Urdhva Hastasana.

  17. Chandrasana (lado direito).

  18. Chandrasana (lado esquerdo).

  19. Padahastasana.

  20. Ashwa Sanchalanasana (perna esquerda atrás).

  21. Ardha Chandrasana (lado esquerdo).

  22. Parvatasana.

  23. Ashtanga Namaskara.

  24. Bhujangasana.

  25. Parvatasana.

  26. Ashwa Sanchalanasana (esquerda à frente).

  27. Pranamasana – finalização.


→ Esse arranjo cria um ciclo de 27 posições, ecoando diretamente a cosmologia dos 27 nakṣatras.


Comparação geral

  • 14 passos (tradicional ocidental) → didática, simples, circular.

  • 28 passos (expansão) → ligação com 28 fases / 28 nakṣatras (inclui Abhijit).

  • 27 passos (inovação contemporânea) → vincula ao sistema védico lunar mais usado (sem Abhijit), trazendo rigor simbólico.

 

 c) Outras inovações contemporâneas

  • Algumas tradições modernas ligaram o Chandra Namaskāra ao ciclo das nakṣatras (27 mansões lunares), criando séries mais longas ou meditações específicas para cada estrela lunar.

  • Professores ligados ao Yin Yoga e ao Restorative Yoga adaptaram a prática para contextos terapêuticos, enfatizando relaxamento profundo e introspecção.

  • No contexto ayurvédico, há propostas de integrar o Chandra Namaskāra à regulação do doṣha pitta (fogo interno), sendo indicado para estados de excesso de calor ou agitação mental.


4. Avaliação crítica

O Chandra Namaskāra não encontra respaldo direto em textos antigos de hatha yoga como o Haṭha Yoga Pradīpikā ou o Gheraṇḍa Saṁhitā. Sua criação é fruto da criatividade pedagógica contemporânea, inspirada em símbolos tradicionais, mas adaptada às necessidades do praticante moderno.


Do ponto de vista filosófico e espiritual, ele preenche uma lacuna simbólica: se o Sūrya Namaskāra celebra a energia ativa, masculina e diurna, o Chandra Namaskāra oferece uma prática voltada ao feminino, ao receptivo, ao contemplativo.


Assim, sua legitimidade não vem da antiguidade textual, mas da eficácia simbólica e experiencial, razão pela qual ganhou espaço crescente em retiros, círculos lunares e práticas de integração do yoga com ciclos naturais.

 
 
 

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